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“Queria tacar fogo no Brasil, agora quero acolher”, afirma Letrux na capa digital de RG

Por André Aloi

Letícia Novaes, conhecida por sua persona musical Letrux, deixa de lado sua fase de flerte e paquera para dar lugar a um som mais visceral em “Letrux Aos Prantos” (Natural Musical), que chega esta sexta-feira (13.03) às plataformas digitais. A cantora carioca apaixonada por coincidências – e que se intitula meio mística e meio bruxa, que põe a culpa sempre nos astros e signos – fala disso em sua música e relembra do assunto em conversa com RG. O papo aconteceu nos bastidores do ensaio para a capa digital, que acompanha esse texto e tem cliques do fotógrafo-artista Felipe Morozini, feitos em sua casa, no Centro de São Paulo.

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Se o álbum “Letrux em Noite de Climão” (2017) levou a cantora para um lugar ardente e catártico, o novo trabalho – nascido sob o signo de Peixes – está mais denso por motivos pessoais e políticos. “O Brasil me levou a um lugar de fogo. Queria tacar fogo no País. Agora, não sei, parece que eu quero acolher”, analisa. “Às vezes, a forma como eu lidei com pessoas ignorantes (durante a eleição presidencial), imbecis que votaram no(Jair) Bolsonaro, penso: ah, não devia ter xingado.” Reavaliando, diz que poderia ter acolhido. “A gente tá inflamado, com raiva, triste e decepcionado. Quando está com raiva, é muito fácil falar: vai se f*der… Mas é muito mais difícil falar: estou triste, você me magoou”.

O novo disco (com os produtores Arthur Braganti e Natália Carrera) foi feito em horinhas de descuido, como gosta de contar. Estava em turnê e elas foram vindo como uma psicografia junto de seu caderninho. A primeira foi em 2018, quando voava sozinha para fazer participação em um show e ali – sem banda – decretava sua morte iminente devido à turbulência. Queria compartilhar o momento e o cara que estava ao seu lado no avião – ouvindo música de fone e jogando Sudoku – a deixou no vácuo. Não que produzir tenha espantado o medo de voar. Mas, na hora, deu lugar ao foco.

Entre as inspirações nas letras estão sua ex-casa na Tijuca e um sonho realizado, no ano passado. “Desde criança, meu sonho era ir para a Grécia. Por todos os motivos”, explica ela, discorrendo sobre filosofia, teatro, dramaturgia, praianos. “Engloba muito do que acredito: filosofia e mar, drama e salada grega. Amo”. Dentro das águas do Mediterrâneo, escreveu duas canções: “Déjà-vu Frenesi” e “Cuidado Paixão”. A primeira foi um processo mediúnico, brinca: “entrei na água e me conectei com forças de outras vidas e aquilo veio vindo (a letra da primeira). ‘Todo corpo tem água, todo o corpo tem gozo, todo corpo tem lágrima’ e foi muito forte. Veio inteira, numa talagada”. Saía correndo, pegava o celular e gravava.

O número 13 é um número “antiquíssimo” (antes mesmo de ser o odiado 13, do Partido dos Trabalhadores), carregado de misticismo. Lembra das coincidências? O disco tem 13 faixas, foi lançado numa sexta-feira 13. “Tinham 12 músicas completas, só que eu sempre gosto de gracinhas, vinhetas, momentinhos. E aí, no estúdio, fiz essa última (“Cry Something Awkward”). Só que era muito direta. Quando você fala em inglês, (a mensagem) dá uma disfarçada. Imagina se você fala isso em português? É OK ser bi, é OK ficar doido. Eu acho que não (cola)”, brinca. A fissura por outras línguas veio da mãe, professora, que a matriculou no espanhol, francês e inglês. Idiomas que fala até hoje com maestria e ama se passar por nativa ao imitar sotaques. Sua máscara cai depois de cumprimentos de bom dia e agradecimento.. Pretende aprender italiano em breve. “Sou uma pessoa que ama línguas, eu amo linguagem, sou uma letrista, compositora. E amo formas, traduções”, crava.

Ela tem um bordão, que sintetiza coincidências: “Nem me emociono. Já estou em um momento de emoção coincidentística (sic) que, quando elas acontecem, fico: gente…”. Segundo ela, toda hora que acontece uma sincronia, as pessoas se olham nos olhos e ficam arrepiadas. Em “Salve Poseidon” narra que Shakira e o marido Gerard Piqué fazem aniversário no mesmo dia. E adoraria estar nesse date quando isso foi revelado. Também queria ter presenciado o momento em que John Lennon e Yoko Ono se apaixonaram, por causa da obra “Yes”. Ela leva a sério e estuda casos, como a teoria de ligação de Shakespeare com o casal Anne Hathaway e Adam Shulman. “Cresci e absolutamente sem possibilidade de ser incrédula, cética. Na minha casa, acredita em ET, em entidade. Você não acredita, vê, sente…”, defende-se.

O disco tem participação de Luísa Lovefoxxx (CSS) no indie-místico “Fora da Foda”. O encontro com a vocalista do Cansei de Ser Sexy aconteceu, no ano passado, durante o festival Popload, quando Letrux fez a cobertura ao vivo para o UOL. Ao escrever a música, foi natural chamá-la. “Foi paixão à primeira vista, chamei e foi mara”, resume. Liniker e os Caramelows é o encontro de Câncer com Capricórnio, que aparece na potente “Sente o Drama”. “Sou muito honrada com essa amizade porque amo a cabeça, o talento, o jeito que ela vê e entende música”, garante. “Vai ser difícil cantar sem ela nos shows. Vou ter que dar o sangue para chegar perto”. Esse Blues é uma composição de Letrux com o músico e filósofo Thiago Vivas, seu namorado, filho do cantor Jerry Adriani.

Se o amor pelo Blues não é novidade, já que Letrux tem uma tatuagem de tartaruga (no ombro direito) por causa da faixa “Turtle Blues”, da Janis Joplin. Surpreende o flerte da cantora com o samba em “Cuidado Paixão”. “Amo samba, não sou exatamente uma pessoa que frequenta (as rodas), mas eu tenho isso em mim”, diz ela sobre essa mistura de samba que encontra o David Lynch e o “Twin Peaks“, mais sua cara. “É um fuzuê que só um pai geminiano festivo pode causar em uma filha”, ri. Ele tem todos os vinis e CDs de samba-enredo. Mas se voltarmos uma década, seu “Churrasquinho Sunset”, na época de Letuce (projeto antecessor, com o ex-namorado Lucas Vasconcellos), chegou a ir ao extinto “Esquenta”, de Regina Casé. Suas referências vão de Barry White a Raça Negra (com quem cantou no programa dominical), passando por Beethoven.

No disco, ela canta sobre desculpas toscas para conquistar o crush e sair para o ato final. “O sonho é clássico. A mais esfarrapada é sempre quando tentam criar meandros de dificuldades ao invés de falar: “quer tomar um chopp, um vinho?”. Quando vai ter um show, um evento, ela aconselha a dizer logo que “vai ter eu e você”. “Quando flertava, eu utilizava da lua. Podre… hippie. Já olhou a Lua? Já paquerei muito com essa frase. Ai que vergonha”, diverte-se.

Se organizar todo mundo goza, chora ou cansa? “Tá todo mundo cansado. Se organizasse mesmo, poderia ter um choro coletivo na casa do Bolsonaro. Podia todo mundo chegar lá e fazer uma performance lacrimejante”, dispara. “Vejo que as pessoas estão nos aplicativos, tem muita gente transando, mas tem umas também que são só garganta. Eu não. Se for pra ser, tem que ser”.

Em um dia off, gosta de praia. Mudou-se recentemente para Copanema (divisa entre Copacabana e Ipanema, na capital fluminense) pelo mar. “Minha vida está tão corrida, pega avião, e faz isso e aquilo. Nos poucos dias de paz, a vida é pra curtir”. Letrux é do tipo que enfrenta os parentes não só as festas de fim de ano, mas até Carnaval. “Que artista doidona passa (essas datas) com a avó, pai, mãe, sobrinhos? Sou muito família, tirando os tios bolsominion”, gargalha. O namorado a equilibra: “Mando mensagem e ele responde sete horas depois. Se fosse ciumenta, tava louca. Vejo que, quando tô em casa, não pega no celular. Ele estuda Beethoven, vê um filme, lê um livro. Ele se desconecta. E eu fico apenas nas palmas.” Quando estão juntos, ela faz um exercício para não pegar no celular.

Aos 38 anos, ela conta que uma hora a maternidade pode chamar. Se não acontecer de forma biológica, pensa em adotar. “Não congelei (os óvulos) por motivos financeiros, é muito caro. Prefiro viajar. Mas respeito. Não é minha realidade”, revela. “Tenho muito fascínio com histórias de adoção”, reforça. Outra coincidência que adoraria estar é na adoção das filhas da Gloria Maria. “Eu acho que uma hora vai acontecer, agora não é o caso. Eu amo criança, eu tenho três sobrinhos, eu sou a tia maluca, que brinca de mímica, de teatro, de música. Fico fazendo a música do xixi, da meleca”, diverte-se.

Letrux não se classifica uma inimiga do fim. Inclusive, é a primeira a ir embora de suas próprias festas. Então, está tudo bem se despedir de uma fase que durou três anos, como o “Climão”. “Nunca tive medo de dizer adeus. Sou uma pessoa muito curiosa. Não dizer adeus, às vezes, é não ser tão curioso. Conheci lugares no Brasil que nunca tinha ido. Fui à Amazônia na época das queimadas, (viu) o encontro dos rios Negro e Solimões. Aquilo é um barato da natureza. Você não precisa fazer nada. Só e estar lá, você recebe ondas de alucinação”. Insone, ama dormir e, consequentemente, sonhar. Quando o assunto começa a se perder, a hora que não desenvolve. Tchau!


CRÉDITOS DA EQUIPE
Personagem: Leticia Letrux
Foto: Felipe Morozini
Vídeo: Clara Soria
Entrevista: André Aloi
Stylist: Bruno Uchôa
Beleza: Bruno Cézar
Assistente de foto: Alice Hellman
Tratamento de imagem: Carolina Antoniazzi

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