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“Preconceito e arte não se encaixam”, afirma Preta Gil em cartaz no Rio

Por André Aloi

Preta Gil está orgulhosa em subir a um palco de teatro com a primeira temporada de “Mais Preta que Nunca”, no Rio de Janeiro, que ela mostra quem é, como pensa e de onde vem. Ela havia gravado “horas e horas” de depoimentos para um livro, mas decidiu não lançar. “Achei que essa era a hora de falar ao público diretamente, estar perto de gente que me acompanha e gosta de mim, ali ao vivo e a cores”, explica em entrevista ao Site RG.

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Ela tem misturado diferentes públicos, que não conseguiam acompanhá-la durante o Carnaval ou, nas madrugadas, quando faz shows. “Agora estão junto com quem já está sempre perto de mim”, comemora. “É muito legal misturar diferentes públicos e pensamentos, vê-los de perto e poder contar minhas histórias, me apresentar, trocar idéias, cantar coisas que marcaram minha vida e que nunca entraram no repertório”.

“Mais Preta que Nunca” está em cartaz Teatro XP até o fim de novembro. No ano que vem, volta a São Paulo e pretende visitar o Brasil todo. Recentemente, lançou o clipe “Só o Amor” (tema de Britney em “A Dona do Pedaço”) ao lado de Gloria Groove, que tem quatro minidocs que completam a mensagem. Leia a íntegra da entrevista:

Muito antes de artistas levantarem bandeiras, você já vinha fazendo isso com a comunidade LGBTQIA+. A gente vive um momento muito delicado no País com o cerceamento de direitos dessa comunidade. O que você pode falar a respeito, que possa ser uma mensagem de encorajamento?
Sempre defendi e defenderei, meu palco, meu bloco, minha peça “Mais Preta que Nunca”, minhas redes e todo lugar onde eu possa me expressar sempre serão canais para defender quem possa ser atingido pelo simples fato da pessoa ser quem ela é. Seja homofobia, racismo, gordofobia… ou qualquer outra coisa que impeça alguém de ser feliz. A mensagem é ‘só o amor’ nos libertará. A nós mesmos e aos outros. Amando quem somos e nos respeitando fará com que a gente consiga entender e acolher o outro.

Você vem de uma família de músicos super “conservadora” (me refiro no sentido de tradicional). E você faz música Pop muito antes de ela ser modinha. Em algum momento você sentiu que houve preconceito com aquilo que fazia, dentro de casa ou por parte dos fãs?
Minha família é tudo menos conservadora, sou filha do Tropicalismo, lá em casa nunca existiu tabu, preconceito ou julgamentos, a MPB é música popular brasileira e essa geração de artistas foram na época os popstars da parada. Onde o preconceito estiver, não estou. Preconceito e arte não se encaixam, o entretenimento é a maior arena onde tudo é possível desde que seja verdadeiro e sincero. Tudo que é genuíno merece respeito.

Entre seus feats. recentes estão Pabllo Vittar, agora Gloria Groove… Tem alguma colaboração dos sonhos? Pode citar um brasileiro e um gringo, ou mais, se preferir
Tanto essas como outras colaborações que fiz ou que ainda virão, acontecem por acaso. Não faço esse tipo de plano e, depois de ter dividido uma canção com minha madrinha Gal (Costa), que considero a maior cantora do Brasil, tudo que vier será bem-vindo. As coisas acontecem na hora certa.

Você tem uma carreira na música e na TV, como atriz e apresentadora. Também tem collabs suas com marcas de moda. O que te dá mais prazer?
Tudo que me inspira. Estamos aqui por uma missão, seja recolhendo doações para o nosso bazar, ou criando uma linha de esmaltes, roupas e selos musicais. Eu faço tudo por acreditar, por amar o que faço e as pessoas com as quais me relaciono, se me emocionar eu sempre estarei aberta a realizar algo novo.

Tem previsão de um lançamento só seu para os próximos meses?
Agora estou empenhada em viajar com a peça “ Mais Preta que nunca”. Mas o Carnaval tá chegando e esse é sempre meu maior projeto de todos os anos. Estaremos com o “Bloco da Preta” no Rio, Salvador e São Paulo, pelo menos.

Como foi trabalhar com a Gloria Groove? Como se encontraram?
A gente já se conhecia, eu a acompanho desde o começo, já participamos de eventos juntas, esse ano ela subiu no trio do Bloco da Preta e quando chegou a encomenda da Amora (Mautner, diretora-geral da novela de “A Dona do Pedaço”) para fazer a música para ser tema de Britney a personagem transexual eu chamei a Glória na hora, ela é uma “drag queen” maravilhosa, uma artista completa, compôs parte da letra e nos deu peso, pompa e circunstância a esse projeto que é um orgulho para todos que participam e torcem por ele.

De quem partiu a ideia de colocar mulheres trans no vídeo? Qual o conceito?
Essa foi quase uma associação imediata inspirada na personagem para a qual a música foi feita. Rodrigo Pitta que me dirigiu no monólogo “um homem chamado Lee” no teatro onde eu fazia uma personagem travesti voltou a colaborar comigo e dessa vez em vídeo, ele trouxe o conceito dos documentários e de unirmos assim realidade e entretenimento. Assim criamos um manifesto cultural, não é uma peça de promoção musical apenas, quisemos dar voz a mulheres transexuais e eu queria algo positivo, queríamos mostrar que apesar de dura a batalha é possível realizar sonho de ser quem se é e trabalhar com o que gosta.

Brasil está no topo da lista de países onde mais se mata transexuais e travestis. Pra ti, qual a importância de jogar luz sobre esse assunto e dar visibilidade para elas? Como ilustrar de um jeito impactante, uma vez que a TV já mostra parte da realidade dessas mulheres pelo personagem da Glamour Garcia?
Fomos para a realidade, fomos atrás de seres humanos de carne e osso que enfrentam essa luta desde que nasceram e, por isso, o clipe não é uma peça solta, temos quatro minidocs que completam essa mensagem. Glamour, Paola, Paula, Emanuele e Marcela estão no clipe, elas seguram fotos de Lea T, Laerte, Rogéria, Jane Di Castro, Laerte como forma de homenagear a todxs que fazem dessa luta suas vidas e vice versa. Convido a todos a assistirem aos mini documentários, neles está a chave desse projeto, a verdade.

Com essa onda dos artistas latinos invadindo o pop internacional, você já pensou alguma vez em lançar algo em outra língua para, de repente, dar um passo na internacionalização da carreira?
Sou brasileira, minhas raízes, meu público estão aqui, eu canto a nossa música e sinceramente eu nunca tive essa vontade.

Você teve de abrir mão pra viver essa vida, ter fama? 
Não abri mão de nada, minha vida profissional e pessoal são uma coisa só. É meu trabalho e meu maior prazer.

Por ser uma mulher declarada bissexual, você já foi alvo de preconceito? Porque, para o bi, existe o preconceito não só dos heterossexuais, mas também um preconceito velado dentro da própria comunidade LGBTQIA+.
O preconceito sempre chega por motivos múltiplos. Não me pauto pelo olhar ou julgamento do outro, não acho que seja possível alguém ser feliz somente agradando ao outro, temos que ser verdadeiros com a nossa essência e nossa verdade e de preferência respeitando o outro para ser respeitado.

Quem é a Preta Gil dos palcos e aquela que está em casa em um dia de sossego? E o que gosta de fazer quando não está trabalhando?
Em casa eu quero curtir minha neta (Sol de Maria, de 4 anos, filha de Francisco), o tempo que tenho é para vê-la crescer e estar próxima. No palco eu sou da galera, amo o que faço e sou a mesma da hora que acordo até a hora de dormir.

Alguma coisa que não perguntei e gostaria de complementar?
Creio que a minha peça “ Mais Preta que Nunca” tenha essa missão de mostrar o que sou, como penso e de onde venho. Tem sido maravilhosa a experiência de dialogar com o público. Hoje quero também falar sobre o transexual na nossa sociedade. Convido o público e o teu leitor a assistirem aos quatro depoimentos nos mini doc “Vidas Transversais”, que acompanham o manifesto “Só o amor”. Por favor, compartilhem com as suas redes,vamos dialogar.

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