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O seu dinheiro está mudando, outra vez

Por Marcos Tenório

Há algum tempo não imaginávamos que o dinheiro mudaria tanto, e não estou falando de planos econômicos milagrosos que conhecemos bem nas últimas décadas. Desde a popularização dos cartões de débito, o dinheiro de plástico vem tomando conta de nossas transações, segundo o Banco Central, entre 2013 e 2018, o número de pessoas que escolhem pagar suas contas e consumir com o papel moeda caiu de 78% para 60%.

Várias questões podem refletir nessa mudança de comportamento, desde a praticidade de com apenas um cartão de plástico todas as suas compras serem efetuadas até a questão de segurança, que sempre está presente em nossa cultura e nos obriga a andar com menos dinheiro e bens visíveis.

O nosso dinheiro tem características que o fazem ser como ele é: tangível, regulamentado por um sistema central e relativamente fácil de falsificar. Por mais que criemos mecanismo para torná-lo mais seguro, criminosos sempre buscam formas de adquirir mais dinheiro de forma ilícita. E isso acontece em todos os países, não só no Brasil. Até o poderoso dólar possui mecanismos para evitar a falsificação.

Nos últimos anos começamos a ouvir mais sobre uma moeda virtual que possui regras próprias e independe de sistemas centrais de controle para existir. O bitcoin, criado por Satoshi Nakamoto em 2009, possui uma lógica interessante: é um código criptografado que é enviado por uma pessoa para outra, que possui a autorização para receber e reinterpretar o código criptografado. Essa segurança nas transações a batizou de criptomoeda.

Inicialmente apenas virtual, essa moeda é uma série de códigos que são recalculados para gerar respostas a um problema matemático. Após esse resultado, é gerado o valor. A partir de 2009, a cotação da moeda virtual começou a ser vinculada a uma moeda real e foi estabelecido que 1.309,03 bitcoins equivalia a US$ 1.

A primeira transação no mundo real com essas moedas, aconteceu em maio de 2010 e custou o valor de 10 mil bitcoins por duas pizzas (que custariam US$ 25, na ocasião). Tudo caminhava bem até que, em 2010, o sistema foi hackeado e foram gerados milhões de bitcoins de forma irregular. Isso foi corrigido, mas, como se trata de dinheiro, a confiança foi abalada e o valor da criptomoeda despencou.

A segurança foi implementada e a moeda virtual tornou-se um grande investimento arriscado por conta da grande flutuação de seu valor. Na cotação de hoje, um bitcoin está cotado a US$ 12.485,35 e apresentou alta de 9,9% em relação à última cotação, alavancada com o anúncio recente do Facebook que falarei a seguir. Mas é comum ver que os valores sobem de forma vertiginosa ou despencam em questão de horas.

Esse valor muda de acordo com a disponibilidade de bitcoins no mercado e também pela especulação econômica, por isso é considerada um investimento de risco. Há casos de desvalorização de 20% em 24 horas, o que exige bastante cautela do investidor.

Com o tempo e o sucesso do bitcoin, percebeu-se que existia aí uma grande possibilidade, então começaram a surgir empresas corretoras de bitcoins e outras criptomoedas paralelas à original, com menor valor de investimento e, às vezes, menos seguras.

Aconteceram recentemente alguns problemas de segurança relacionados a esse tipo de moeda, inclusive o desaparecimento de valores das contas dos proprietários da noite para o dia. O que tem despertado bastante receio de aplicar nesse tipo de moeda.

Os governos de alguns países também não têm sido muito receptivos com a ideia, apesar de alguns pensarem a criação de suas próprias moedas virtuais, como o Banco Central do Brasil, o japonês, entre outros. No outro extremo, a Tailândia proibiu, em 2018, as transações com criptomoedas e o CVM, em 2018, no Brasil, proibiu que fundos investissem nessas moedas após ameaça de veto pela Coreia do Sul por conta da volatilidade atribuída a elas.

Para colocar mais tempero nessa sopa de cifras e letrinhas, o Facebook anunciou recentemente a libra, uma criptomoeda criada com um consórcio poderoso, com a carteira virtual chamada Calibra. Prevista para estrear em 2020, ela possibilitará transferências, pagamentos e transações online, sem cobrança de taxas e direto do seu Messenger e Whatsapp.

Essa é uma boa hora para o tio do whatsapp aprender a não baixar mais vírus no celular. O custo será outro.

O argumento da empresa é que existem certa de 1 bilhão de pessoas adultas que têm celular e nunca abriram uma conta em banco. Seu diferencial, segundo a empresa do Zuckerberg, é a estabilidade do valor, por possuir uma reserva ativa mantida por empresas da Associação Libra que, além do próprio Facebook, inclui Uber, Spotify, Visa, Paypal, MercadoPago e Mastercard. Agora a brincadeira parece bem séria!

A sinalização de um grande player mundial como o Facebook como criador de uma nova criptomoeda pode dar mais segurança a esse tipo de investimento, que há algum tempo era permeado por receio e desconfiança. Isso também pode ser um sinal da penetração das moedas virtuais em um mundo que sequer sabia de sua existência.

Não pretendo fazer uma análise econômica das criptomoedas nesse artigo, pois não sou expert na área, apenas discutir as suas possibilidades tecnológicas. Não sabemos o que está por trás do interesse do Zuckerberg nessa empreitada, afinal, como o Facebook ganhará com isso? E nós podemos confiar na sua empresa?

O seu dinheiro está mudando, mais uma vez, e as consequências disso ainda não podem ser mensuradas. Talvez seja essa uma boa hora de observar que mudanças acontecerão e de que forma isso poderá lhe afetar. Mas lembre-se que o papel moeda está cada vez mais fora de moda.

Marcos Tenório é Designer, Sócio da Kalulu Design&Comunicação, Mestrando em Design de Artefatos Digitais pela Universidade Federal de Pernambuco e professor de Materiais e Tendências em Design de Interiores na Uninassau.

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