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Chernobyl: Qual a verdade em que você quer acreditar?

Por Marcos Tenório

O fenômeno das redes sociais tem mexido conosco de todas as formas, nos transformou em ávidos caçadores de likes. Até aí tudo bem, carência sempre tivemos, mas algumas pessoas têm passado dos limites em diversas situações que mexem, inclusive, com respeito a desastres muito sérios.

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Recentemente, a HBO finalizou a minissérie “Chernobyl” que, com maestria, conta a história que nós, do lado de cá, sabemos (ou imaginamos) sobre os acontecimentos do ano de 1986 que levaram a um dos maiores incidentes causados pela humanidade e que, até hoje, tornou partes da Ucrânia e da Rússia inabitáveis.

A série conta desde o primeiro minuto do acidente nuclear que explodiu o reator 4 da planta nuclear instalada em Pripiat, cidade mais atingida pela radiação e que até hoje oferece perigo aos seres vivos. Na ficção (ou não), vemos todo o desenrolar e tentativas dos cientistas Valery Legasov e Ulana Khomyuk (representando o grupo de cientistas que apoiaram Legasov) de evitar uma catástrofe ainda maior.

O governo soviético, para manter sua imagem positiva para o exterior, buscou minimizar os danos e evitar chamar a atenção para as gravíssimas consequências do desastre que, segundo eles, matou 31 pessoas, mas nas estimativas de organismos internacionais, está entre 2 mil e 93 mil pessoas direta ou indiretamente afetadas pela radiação.

Os soviéticos ignoraram os alertas dos cientistas, ignoraram instruções de segurança e buscaram abafar qualquer informação para o restante do mundo. Os resultados são conhecidos e assombram nossa história até hoje.

A Rússia, em retaliação à HBO, pretende proibir a série, o deputado Serguei Malinkovich, um dos dirigentes do Partido Comunista, diz que “A série de televisão sobre os dramáticos acontecimentos de abril de 1986 é uma ferramenta ideológica desenhada para desprestigiar e demonizar a imagem dos dirigentes e do povo soviético”.

Além disso, ele fala que deve processar a direção e a produção da série por calúnia. Já o ministro da Cultura Russo, Vladimir Medinski, considera a série magistral e que imaginava que seria bem pior o retrato dos acontecimentos mas, ainda assim, fala que a série exagera em alguns pontos e comete erros.

Para completar o imbróglio, o Kremlin anunciou que usará uma de suas redes de televisão para produzir uma minissérie com a “verdade” dos acontecimentos que, segundo eles, foram causados por um agente da CIA infiltrado para sabotar a usina.

Verdades absolutas não existem, todos sabemos que cada lado tem suas razões, mas o produto audiovisual da HBO é forte candidato para premiações e entrega uma qualidade enorme na carga dramática e na produção.

Por outro lado, com o sucesso da série, estão se popularizando ensaios – até sensuais – de influencers na região de Pripiat, hoje parte da Ucrânia. Ao ponto de o criador da série, Craig Mazin, pedir para que essas pessoas respeitem a história do local. Necessidades de likes à parte, a cidade é o retrato de um episódio muito doloroso para a humanidade e transformar isso em um palco para espetáculos pessoais é algo perturbador.

Pripiat foi completamente esvaziada após o incidente e até hoje segue como uma cidade fantasma, estima-se que a radiação a tornará inabitável por cerca de 24 mil anos. Ainda assim, depois da veiculação da série, o número de turistas interessados em conhecer o local, que necessita de autorização especial e cuidados seriíssimos para não serem contaminados pela radiação, cresceu em torno de 30%.

Caso semelhante aconteceu com o campo de concentração de Auschwitz, que também foi povoado por pessoas em busca de likes fazendo poses glamurosas em frente a um dos locais onde aconteceram parte dos episódios mais dolorosos e sangrentos da história da humanidade.

Essas pessoas, que têm o poder de influenciar o comportamento de outras pessoas, deveriam ser mais cuidadosas pois, suas ações podem ser copiadas pelos seus seguidores em série e gerar transtorno em vários lugares do mundo. Quem não lembra das fotos de uma modelo brasileira após o desastre do furacão Sandy em Nova York? Aquilo foi constrangedor, inclusive para ela.

As redes sociais estão nos tornando pessoas egocêntricas e apenas preocupadas em chamar a atenção para si?

Não nos importamos mais com o outro nem respeitamos a história?

Decidi não colocar imagens dos “influenciadores” para não dar audiência para eles.

Imagino que ainda precisamos aprender bastante e amadurecer para poder usar as redes que, sim, têm potencialidades muito boas e podem estreitar laços, além de criar novos. Por mais razões mercadológicas que hoje existam nas redes sociais, elas são ferramentas importantes para a nossa nova dinâmica social.

Se você ainda não assistiu à minissérie Chernobyl, recomendo. Ela está disponível na plataforma digital HBO GO. Mas aviso antecipadamente: tem imagens fortes e incomoda bastante aos de estômago mais fraco, como eu.

Marcos Tenório é Designer, Sócio da Kalulu Design&Comunicação, Mestrando em Design de Artefatos Digitais pela Universidade Federal de Pernambuco e professor de Materiais e Tendências em Design de Interiores na Uninassau.

 

 

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