Quando a retrospectiva de Edward Hopper na galeria Tate Modern, em Londres, chegou ao fim, em setembro de 2004, mais de 420 mil ingressos tinham sido vendidos. Tamanho sucesso só foi superado pela aclamada exposição de Henri Matisse e Pablo Picasso. Mais de meio século depois que ele morreu, sua popularidade está no auge – muito por causa da marca melancólica e das fotos da solidão cotidiana que deixou em seus quadros.
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A mostra britânica, segundo a crítica, mostrou uma obra tanto estimulante como desanimadora. Em telas como “Automat“, de 1927 e “Nighthawks“, de 1942, imagens de indivíduos sozinhos em espaços impessoais, com olhares ocos observando por janelas ou dentro de copos de drinks, se combinam para lembrar os espectadores que a condição comum da humanidade é o isolamento. No trabalho de Hopper, mesmo uma cidade repleta de gente não remedia a solidão – na verdade, a fortalece.
Nascido em julho de 1882, Hopper logo se tornou um artista prolífico: seus trabalhos exibiam a solidão urbana, as desilusões, mesmo um desespero. Ele continuou, ainda assim, sendo lembrado como um importante pintor da corrente chamada “American Imagination” (“Imaginação Americana”), um fenômeno que suas telas urbanas captura.
Em um país que passava por transformações no século 20, a marca negativa que ele impôs à vida nos Estados Unidos ofereceu um contraponto ao otimismo que reinava. Por isso, sua obra pode ser colocada ao lado do gênero noir, do cinema dos anos 1930 e 1940, e de escritores como Raymond Chandler. Assim como Hooper, os diretores cinematográficos e os autores de livros estavam preocupados com os efeitos negativos da urbanização e das disparidades econômicas em expansão nos EUA.
No centro da visão urbana do pintor estão os paradoxos do mito fundacional da democracia: nós somos criados como iguais, mas o que nos faz iguais é nosso individualismo inviolável, absoluto e único. Apesar da melancolia e da distância que persistem nas telas de Hopper, sua popularidade e influência duram até hoje – não à toa, seus quadros foram fonte de inspiração para os artistas posteriores e mesmo para os contemporâneos.
Na cultura popular, ele influenciou um diverso conjunto de artistas, como Alfred Hitchcock, que viu na mansão de “House by the Railroad“, de 1925, o projeto ideal do seu Bates Motel, do clássico filme “Psicose”, lançado nos anos 1960. “Traces of Night Window“, de 1928, já tinha sido a referência principal para Janela Indiscreta, de 1954, em que Hitchcock conta a história de um fotógrafo que, sentado no seu apartamento, observa uma mulher “tão solitária que mesmo a morte parece uma amiga”.
No entanto, sua tela mais famosa na cultura popular é mesmo “Nighthawks”, cujas referências vão desde o disco ao vivo do cantor Tom Waits, em 1975, até um episódio da oitava temporada do desenho “Os Simpsons”.
A força de sua arte deriva da sua marca particular do realismo, que não se apega a detalhes externos e é caracterizado mais pelo que suas telas parecem omitir do que representar. Ele tornou lugares icônicos da vida dos EUA, como lanchonetes, farmácias, quartos de hotel, postos de combustível e cinemas, em espaços que refletem o reino interior do artista, espaços de humor, sentimentos, contemplação da posição no mundo.
Talvez uma das grandes críticas presentes na obra de Hopper seja o chamado voyeurismo: em telas como “Traces of Night Window”, em que a posição do observador no primeiro andar de um apartamento permite que ele veja uma mulher no prédio oposto, isso pode parecer evidente. No entanto, ele pode ser melhor entendido como uma meditação sobre a necessidade de conexão, e a dificuldade de alcançar e se conectar com os outros. É um quadro do nosso próprio senso de isolamento ー à medida que é a pintura de uma solitária e vulnerável mulher.
Entre as influências de Hopper estão o impressionistas franceses, em especial Edgar Degas. Deles, o pintor estadunidense tirou sua fascinação pelo jogo de luzes e pelo desejo de criar sentimentos e ideias no observador, ao invés de conceder muitos detalhes representacionais a um espectador preguiçoso.
Outra influência foi Roberto Henri, que deu aulas a Hooper na New York School of Art, em 1900. Henri, a quem o artista chama “o professor mais influente que eu tive”, era parte da chamada “Ashcan School” dos pintores realistas dos EUA. Ele também era dedicado a uma representação não sentimental da diversidade de uma cidade como Nova York e se tornou famoso no começo do século. O grupo ainda incluía William Glackens, John French Sloan e Everett Shinn.
Uma das declarações mais conhecidas de Hooper, parte do artigo que ele submeteu à publicação do “Reality Journal”, em 1953, deixa claro seu ponto de vista: “A grande arte é a expressão externa de uma vida interior no artista, e essa vida interior vai resultar em sua visão pessoal do mundo”. Mais do que isso, no entanto, suas telas também criam um espaço em que a vida interior do próprio observador pode ser considerada.
Hoje, é possível visitar a casa em que Hopper passou a maior parte da infância e em que a sua irmã, Marion, viveu até sua morte, em 1965 ー o pintor faleceu dois anos depois, na cidade de Nyack, a 40 km de Manhattan. O local abriga o Edward Hopper House Museum & Study Center, que organiza concertos, leituras e exposições de suas obras.
Sua história com o Brasil é complexa: convocado pelo governo estadunidense para representar o país na Bienal de São Paulo de 1967, Hopper soube do plano da Casa Branca por uma manchete do “New York Times”. Seria a primeira grande apresentação internacional da sua carreira ー e a última com ele ainda vivo. O jornalista Geraldo Ferraz escreveu um artigo no jornal Estado de S. Paulo, em dezembro daquele ano, revelando que, quando o pintor soube da sua ida à Bienal, indagou: “Isto significa alguma coisa?”.