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Como “Roma” usou história da arte para se tornar um clássico do cinema

Roma” é uma história metódica e séria, contada em escala épica, sobre uma família de classe média alta da Cidade do México e sua empregada, Cleo (Yalitza Aparício), em que o diretor Alfonso Cuarón relatou sua própria infância e, ao mesmo tempo, modificou as estruturas da produção na telona: sua obra é debatida e imitada em qualquer faculdade de cinema, academia e produtoras do mundo.

No Oscar de 2019, ele disputou alguns prêmios com o filme “A Favorita“, em que a atriz Olivia Colman protagoniza a rainha Anne e tem em Olivia Colman sua criada. Ambos têm em comum, assim, a vida de duas vidas escondidas.

A história é repleta de homens pintores, escritores e cineastas que tomaram mulheres como objeto de seus trabalhos para suas próprias afirmações políticas e estéticas. Retratos de trabalhadoras geralmente sugerem uma grande mensagem econômica, advogando por uma sociedade mais equitativa. É difícil discutir essas personagens sem pensar em classes sociais.

Do francês Henri de Toulouse-Lautrec, cuja tela “Lavadeira“, pintado entre 1884 e 1888, mostra uma mulher durante o serviço, ao designer norte-americano J. Howard Miller, que criou o icônico poster “Rosie The Riveter” (uma mulher com as mangas arregaçadas, o músculo do braço à mostra e a expressão “We Can Do It!“), artistas internacionais e designers tentaram fazer o assunto ser impactante e novo. Ultimamente, enquanto o trabalho de Yorgos Lanthimos em “A Favorita” é uma surpresa e requer uma entrada nos cânones do cinema, Cuarón não se resumiu a retratar corpos femininos cansados.

De um ponto de vista moral, Cleo, de Roma, é uma pessoa muito melhor do que a Abigail do filme de Lanthimos. Ela serve sua patroa, Sofía, com alegria, indo ao ponto de arriscar sua própria vida para salvar um dos filhos dela em uma praia. Para além de um curto momento de rebelião, quando Cleo e sua companheira de serviço, Adela, dão risada das idiossincrasias dos seus chefes, ela é leal, nunca expressando raiva, frustração, inveja ou ressentimento. Mesmo quando seu namorado, Fermín, a engravida e depois a abandona, ela se mantém calma. O filme, enfim, glorifica essa postura de vida.

Como “Lavadeiras no Roubine du Roi Arles“, de Paul Gauguin (1848-1903), que reduz figuras femininas sem rosto a formas volumosas e espaços para blocos de cor, o filme de Cuarón diminui a individualidade de Cléo para colocá-la a serviço de ideias maiores do trabalho.

O crítico de cinema da revista norte-amerinca “The New Yorker”, Richard Brody, já afirmou que Cuarón teve uma falha de imaginação em Roma. “Assistindo ao filme, alguém espera por detalhes iluminadores sobre a vida de Cleo fora da família para quem trabalha, assim como para a relação pessoal e generosa dela com as crianças que cuida. Não há nada desse tipo em Roma. Cleo dificilmente fala mais de uma sentença ou duas por vez e não diz nada sobre sua vida na vila, sua vizinhança, sua família”, escreveu.

No entanto, não é apenas a vida de Cléo que fica apagada na história, mas sua própria personalidade. Mesmo pintores conseguiram alcançar um senso mais significante de interioridade com seus pincéis. “Em Mulher Bocejando“, de Edgar Degas (1884-1886), por exemplo, o bocejo de uma mulher em um momento específico e que gera uma grande história pessoal na mente de um espectador imaginativo.

Quando Cuarón fala sobre “Roma”, o diretor discute seus impulsos como puramente pessoais – sua afeição por sua própria cuidadora, Libo, o motivou a fazer o filme. É estranho que ele demonstra mais afeto pelos elementos formais do seu trabalho do que pelos da personagem. Se é uma película incrível para assistir (e para ouvir, porque a edição de som é maravilhosa), ela também pode ser oca e distante de realidade. Cleo ironicamente parece longe dela.

Roma fala sobre a vida do diretor na Cidade do México nos anos 1970 no bairro que dá nome à película nos arredores da capital. Com cerca de US$ 15 milhões (R$ 56 milhões) em mãos, incluiu na obra uma representação minuciosa da matança estudantil conhecida no México como “El Halconazo“, além de um enorme incêndio florestal apagado de maneira comunitária na época.

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