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“Me transformei ao conhecer a realidade”, diz Pedro Neschling sobre livro com personagem trans

Umas das promessas da literatura brasileira contemporânea, Pedro Henrique Neschling saiu da zona de conforto ao escrever seu novo livro. Supernormal conta a história de Beto e André, que perdem o contato e, após anos, se encontram por acaso na rua. André agora é Helena, mulher trans bem-sucedida que, aos poucos, apresenta outra visão de vida ao antigo colega.

“O livro fala sobre desconstrução da norma a partir da colisão de mundos de dois amigos de infância. Então busquei construir as vidas desses dois personagens principais, Beto e Helena, da maneira mais antagônica possível”, conta o autor em papo com RG.

“Enquanto ele é um advogado que trabalha no escritório da mãe, leva uma vida padrão do padrão do padrão, queria que ela fosse um retrato do mundo contemporâneo, e achei que ser especialista em estratégias digitais seria uma ocupação interessante”, diz o autor sobre os protagonistas da obra. “Helena é livre, trabalha em coworkings e cafés, de casa ou de qualquer lugar. Faz com que Beto conheça uma realidade que sequer imaginava existir”.

Uma das coisas que chamam atenção no livro é como Pedro foge da mesmice de, por exemplo, mostrar as transexuais apenas como prostitutas ou trabalhadoras da noite.

“Queria que a questão da transexualidade da Helena fosse retratada da forma mais orgânica possível, e não como ‘temática’. Quis retratar o universo trans sem o estereótipo da visão cisgênera, de um ‘universo marginalizado’ — embora, infelizmente, os índices de violência contra trans ainda sejam absurdos em nosso país, com o triste recorde de sermos o país que mais mata LGBT no mundo, tornando a vida dessas pessoas muito difícil. Mas ‘Helenas’ existem, e espero que apareçam cada vez mais”, acrescenta em nossa conversa.

Atualmente trabalhando na adaptação do livro, o ator, que tem várias novelas, filmes e peças de teatro no currículo, descarta a possibilidade de protagonizar a versão cinematográfica de Supernormal. “Vou dirigir o projeto, o que inviabiliza qualquer chance de interpretar o Beto — já fiz essa besteira de dirigir e atuar ao mesmo tempo antes e não pretendo mais repetir o erro (risos)”.

Durante o processo criativo, Pedro conversou com algumas pessoas trans, como a conhecida acadêmica Amara Moira, para entender suas vivências e construir a personagem Helena.

Já Beto foi criado, segundo o autor, em cima dos conceitos mais universais do que se esperava de um homem cis branco hétero de sua geração. “Queria ele o mais dentro do que se dizia ‘normal’ em nossa sociedade. E daí vem os seus questionamentos, suas dúvidas e confusões a partir do momento em que ele reencontra Helena e se depara com seu ‘novo mundo’”, explica o escritor.

“Minhas conversas com pessoas trans ao longo do processo foram fundamentais para não cair nos muitos equívocos que minha vivência cis trazia da transexualidade”, adiciona Pedro. “Conversar com pessoas como a Amara Moira é sempre um aprendizado, me sinto transformado ao conversar com ela, assim como me transformei ao conhecer a realidade de cada uma das outras que foram generosas de dividir suas histórias comigo”.

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