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Depois de dizer que não é fã de sertanejo, Wanessa Camargo aposta em sofrência; releia entrevista na íntegra

Wanessa Camargo fez seu retorno à música, deixando o pop de lado – e adotou novamente o sobrenome. Ela apostou em uma faixa da sofrência, chamada “Coração Embriagado“. A filha de Zezé di Camargo também voltou a cantar em português. A reação de um fã, que ficou decepcionado com o rumo que a carreira da cantora tomou, viralizou na internet. Relembre uma entrevista que ela deu para RG, em 2009, em que falava não se identificar com o gênero.

“Eu gosto de sertanejo, tenho muito respeito e carinho pela música, um orgulho imenso do meu pai, mas não sou fã do gênero, não me identifico e não ouço. Eu e ele vivemos coisas diferentes; ele vem de um meio rural, eu vim para São Paulo muito nova. As músicas da minha adolescência eram de Rita Lee, Madonna, Michael Jackson, ABBA, anos 80. As rádios nacionais que eu ouvia não tocavam música brasileira. Mas meu pai também não gosta, de jeito nenhum, do que eu canto. A questão é que ele não é o meu público-alvo, então está tudo bem. Não rola nenhum tipo de paranoia ou necessidade de aprovação da minha parte. Ele gosta de me ver no palco e saber que estou feliz, isso basta”, contou à época.

O texto a seguir foi publicado na edição impressa da extinta revista RG, número 89, de novembro de 2009, com texto de Bruno Astuto. Leia a íntegra:


Wanessa não é mais aquela. Aliás, Wanessa nunca foi a mesma. No frescor dos 26 anos de uma vida, no mínimo, bem agitada, ela gosta de se reinventar. Quando se acha muito previsível, sacode tudo e, como um furacão, não deixa pedra sobre pedra. “Detesto rotina, não existe coisa que mais me aborreça na vida”, dispara.

A última transubstanciação deu-se este ano, quando mais uma vez cortou os cabelos, ficou loura, marcou bem os olhos com make fumê e subiu bastante a barra do vestido. Tudo para mostrar ao mundo que finalmente chegou aonde queria: de filha de sertanejo condenada a gravar melosas baladinhas românticas a ícone pop com uma bem traçada meta de carreira internacional.

O novo CD, Meu Momento, tem regravação de Rita Lee e dueto com o rapper Ja Rule, cujo clipe e cuja música lhe renderam 3 milhões de acessos no YouTube – batendo a imbatível Fergie e seu Black Eyed Peas -, indicação ao VMB como hit do ano, primeiro lugar nas rádios pop de todo o país, segundo o Instituto Crowley, e uma participação aclamada no último Fashion Rocks. “Sempre vendi bem; já ganhei seis discos de platina. Mas não tem preço a música cair na boca do povo”, comemora.

Outra mudança comentada: a eliminação do sobrenome Camargo para as massas. “Eu não tirei o meu sobrenome. Foi só uma decisão de reposicionamento mesmo, para marcar o meu trabalho com o pop. Madonna, Shakira, Beyonce, Fergie, todas têm um nome só; é mais fácil para o público”, defende-se. Mas o ataque foi fulminante. Notas em toda a imprensa deram conta de que o pai, o cantor Zezé Di Camargo, rei da música sertaneja, autor e intérprete do hino “É o Amor”, não teria achado a menor graça na história. “Tudo mentira. Eu conversei com ele e ele me deu todo o apoio. Disse: ‘Minha filha, se é assim que deve ser, eu lhe desejo todo o sucesso’. Temos nossa relação muito bem resolvida”. E dá o golpe final: “Se tem uma coisa que me irrita é escrever que eu sou Wanessa ex-Camargo. Como assim? Eu não me divorciei da minha família, isso é ridículo”.

O tititi acabou sobrando para o marido, o empresário Marcus Buaiz, um dos arquitetos da mudança na carreira da mulher. Foi ele quem intermediou a parceria com Ja Rule, racionalizou os novos rumos que ela queria tomar; montaram um escritório juntos, e ela é agenciada por ele. “Dois anos atrás, eu percebi uma pessoa triste com vontade de fazer o que queria, mas sem saber como conseguir. O sonho dela passou a ser o meu próprio. Ela é a mulher da minha vida; somos sócios mas nunca ganhei nenhum tostão sobre seu trabalho”, diz Buaiz.

Não faltaram insinuações de que a relação entre ele e o sogro Zezé azedaram. “Acho que tem gente que torce por isso, mas, graças a Deus, eles se adoram. Passamos natais juntos, com a família do Marcus. Não tem essa de brigar pela minha carreira; nem meu pai nem o Marcus mandam em mim. Sou e sempre fui independente, não nasci para ser Amélia, gosto de pagar minhas contas, batalhar pelo meu espaço, estar de igual para igual.” Marcus é cauteloso em relação ao sogro: “Gosto muito dele e sobretudo da Zilu, que será minha amiga para o resto da vida. Eu só não me dou bem com as pessoas que circundam o Zezé profissionalmente e desejam ver uma briga entre nós.”

Juntos há quatro anos, o casal mora numa bela casa no calmo e bucólico condomínio Alphaville, ao abrigo do burburinho que causa por onde passa. Calmaria aparente, corrige ela. “Não temos horário para almoçar, dormir, nossa vida é meio de nômade, sem lugar fixo. Isso é maravilhoso. Eu sempre tive muita coragem para a carreira, dava a cara para bater, e na vida pessoal era muito medrosa. Eu sou calma, light, e com ele tudo é para ontem.”

Para quem vivia até pouco tempo atrás sob os mimos da casa dos pais, ela aprendeu na marra a cuidar do próprio doce lar. Comprou vários livros de receitas, listou os ingredientes que mais apareciam neles e assim fez a primeira lista de supermercado. Diz que sabe obsessivamente quanto vai gastar no mês — “brigo até por R$ 30 a mais na conta de luz e sei quanto o motoboy do escritório gasta de gasolina”. E que não se acha rica, apesar do conforto. “Tenho uma vida boa, mas rico para mim é quem pode se dar ao luxo de parar de trabalhar. Eu não posso. Todo o dinheiro que ganhei investi na minha carreira. Não comprei boi, fazenda, imóveis. Tenho só um carro e essa casa. Meu pai também não pode parar de trabalhar; os gastos são muitos, a máquina é muito grande.”

Quem a ouve falar com tamanha lucidez não consegue ligar a fase “maluquete” do passado à mesma pessoa. Estigmatizada durante anos como rebelde – sobretudo depois da famosa entrevista à revista Veja em que revelou ao país (e ao pai) que não era mais virgem —, Wanessa saía dia sim, outro também, e era fotografada na saída das baladas mais quentes do Rio e de São Paulo. “Não fui santinha, quis experimentar a vida. Não fiz nada que nenhum jovem não tenha feito, só que era mais exposta. Eu cresci em público, vivi numa vitrine a transformação de adolescente para mulher. Todo mundo meio que se sentia no direito de opinar, apontar o dedo. Eu poderia ter feito uma imagem, ser fria e calculista, mas não sei ser assim. Sou espontânea demais. Dancei, errei, dei cabeçada, levei broncas enormes quando chegava em casa às cinco da manhã, mas também me diverti muito. Um dia, me dei conta de que estava muito distante do que eu sonhava para mim aos 15 anos, e voltei a focar. A disciplina saiu do controle, a voz não ficava cem por cento depois de uma noite de festa.”

A vida profissional começou cedo: aos 15, Wanessa já tinha estreado no teatro (“Um infantil que prefiro não lembrar. Só tinha duas pessoas na plateia”, brinca), integrava o corpo de baile dos shows do pai e do tio, no qual ingressou por concurso, mas passou por uma provação daquelas: um problema na cartilagem do pé incutia-lhe dores imensas que a obrigaram a aposentar as sapatilhas. Os médicos não encontravam uma solução e foi uma cirurgia espiritual, com uma senhora de Piracicaba que recebia uma “mãe baiana” que a curou.

Nascida em Goiânia, Wanessa foi com a irmã (mais tarde, nasceria o irmão Igor, agora com 15 anos) e os pais para São Paulo quando tinha cinco anos. A vida dos Camargo era bem modesta, como mostrou o filme quase épico Dois Filhos de Francisco. Ela ficou um ano sem estudar por falta de dinheiro – a escola pública, na vizinhança, tinha uma frequência meio barra-pesada, segundo relata. “De repente, meu pai começou a compor, fazer sucesso e a nova vida foi mudando. Fomos para um apartamento maior, depois para Alphaville, ele estourou. Mas, mesmo pobres, éramos muito felizes. Morava num prédio de 30 andares com 150 apartamentos, cheio de crianças. Brincava muito, era bem moleca. Tive uma infância feliz, apesar das dificuldades do início. Minha família tem uma história de lutas, de vitórias, não só de dramas.”

A vida dos Camargo mereceu mesmo render um filme. Goianos de Pirenópolis, periferia de Goiânia, Francisco, o avô de Wanessa, era pedreiro e a mulher, Helena, lavadeira e cozinheira de restaurante. Pais de oito filhos, enfrentaram as tragédias de ver um deles, Wellington, contrair paralisia infantil e outro, Emival, morrer num acidente de carro em viagem ao Maranhão com Zezé, com quem formava a dupla sertaneja Camargo e Camarguinho. Anos depois, Zezé se juntaria ao irmão Luciano para lançar a parceria que o Brasil inteiro conhece, contada no longa. “Dois Filhos foi muito bom para que as pessoas vissem a trajetória de luta da minha família. O povo tem um carinho imenso por nós, que ficou ainda maior depois do filme”, diz a cantora. Em 98, o tio Wellington foi sequestrado.

Com requintes de crueldade, os bandidos arrancaram-no da cadeira de rodas, mantiveram-no por cativeiro durante meses e lhe deceparam metade da orelha para apressar o pagamento do resgate. Wanessa descobriria mais tarde que o plano inicial era levá-la. “Foi um pesadelo, fiquei com medo de tudo. Meus pais mandaram a mim e aos meus irmãos para Plantation, na Flórida, por questões de segurança. Quando voltei, ainda tinha pânico, olhava se um carro estava me seguindo. A gente não imagina que exista alguém pensando em pegar você, levá-la para um lugar e lhe fazer mal. É um trauma para o resto da vida. Antes, eu não enxergava a violência, achava que o meu país era perfeito, apesar das dificuldades, mas a violência foi esfregada na minha cara”, desabafa.

Nos Estados Unidos, Wanessa, única da família a falar inglês, agiu como segunda mãe dos irmãos – Zilu, a mãe de verdade, não podia ficar, pois não tinha visto de permanência. Ela aprendeu a dirigir, escolheu uma escola com ênfase em artes e amadureceu o sonho de criança: cantar. Depois de soltar a voz em alguns programas de TV no Brasil, em tomadas cotidiano de família Camargo no exterior, Wanessa recebeu convites de duas gravadoras: a Sony, do pai, e a BMG, concorrente, com quem ela assinou o contrato. “Escolhi de propósito, para não dizerem que eu estava me beneficiando do meu pai.”

De lá para cá, foram oito álbuns, 2 milhões de cópias vendidas. Pai e filha fazem trabalhos diametralmente opostos. “Eu gosto de sertanejo, tenho muito respeito e carinho pela música, um orgulho imenso do meu pai, mas não sou fã do gênero, não me identifico e não ouço. Eu e ele vivemos coisas diferentes; ele vem de um meio rural, eu vim para São Paulo muito nova. As músicas da minha adolescência eram de Rita Lee, Madonna, Michael Jackson, ABBA, anos 80. As rádios nacionais que eu ouvia não tocavam música brasileira. Mas meu pai também não gosta, de jeito nenhum, do que eu canto. A questão é que ele não é o meu público-alvo, então está tudo bem. Não rola nenhum tipo de paranoia ou necessidade de aprovação da minha parte. Ele gosta de me ver no palco e saber que estou feliz, isso basta.”

A mãe, Zilu, foi sua empresária no início da carreira; lidava com a gravadora, gerenciava o escritório, pegava no pé da agenciada. “A relação mãe e filha ficou prejudicada. A gente perdeu aquela coisa de amiga e confidente, sabe? Nós achamos melhor nos demitirmos uma a outra. Ela tinha uma cabeça mais romântica, sertaneja, e eu queria ir para o pop, embora a gravadora não deixasse. Tive que lutar muito para isso, então agora tenho uma certa sensação de fazer finalmente o que eu gosto da maneira que eu escolhi.”

Em seguida, veio o casamento de mil e uma noites com Marcus, fartamente noticiado pela mídia. Ela diz que só se deu conta de que sonhava com a cerimônia quando recebeu o pedido. O namoro inaugurou a fase mais discreta de hoje. “Aprendi a me divertir sem me expor. Quando conheci o Marcus, tinha acabado de sair da época festeira. Caí no engano do ego, da vaidade. A fama é muito louca; quando você se dá conta, está engolida por essa coisa vampiresca de ter que aparecer para não sair da mídia. Sem querer, eu estava ficando famosa e a cantora sendo posta de lado.

Vendia CD, tinha licenciamento de boneca, sabonete, caderno, sandália, mas estava estacionada como artista.” Será que o filme, sucesso avassalador de bilheteria, não lhe deu um impulso para outro patamar perante o público? “Nada que veio do meu pai ou da minha família me ajudou profissionalmete. Se eu fosse para o mercado popular, seria a Shania Twain brasileira, mas não é o que eu quero.” Na nova fase de hip hop pop, suas coreografias estão mais sensuais, o que ela está adorando. “Na intimidade, eu sou calminha, mas no palco bate um furacão inexplicável.”

Para não ter estresse em casa, ficou combinado que nem ela nem Marcus fazem a vida do outro impossível. “Não dá para ficar de paranoia com ele trabalhando na noite. Encaro a boate e o restaurante como um escritório, como o meu show. Até porque eu detestaria que ele pegasse no meu pé com ciúmes. No dia em que ele não estiver mais a fim, vai me contar e pronto.”

A vontade de ser mãe já bateu, mas passou. De tanto que lhe perguntam sobre gravidez, passou a se policiar com as amigas recém-casadas para não fazer o mesmo. Quer curtir o bom momento, está frequentando aulas de hip hop, compondo freneticamente, gravando no estúdio que tem em casa. Tem pensado em projetos para o cinema, um musical, quem sabe. Fora uma queda incontrolável por chocolate, só consome alimentos orgânicos. É natureba, ativista ambiental, embaixadora da Fundação SOS Mata Atlântica, já fez alarde pela despoluição do Rio Tietê. “Fico falando que sou urbana, uma mulher da cidade, mas no fundo no fundo o mato não saiu de dentro de mim”, brinca. Não tem paciência para cremes, mas confessa que investe toda a energia no cabelo.

Ri da velha fofoca de que mantinha uma rivalidade com a colega Sandy (“Nós nem convivíamos; ela viajava muito, trabalhou desde nova”) e deixou a fase feira hippie para trás. Descobriu os encantos das joias de verdade, mantém a compulsão por bolsas e sapatos, não sem uma pontinha de culpa. Até dos saltos altíssimos tem se livrado: “Não tenho complexo de ser baixinha. Adolescente, eu era a mais alta da turma, jogava basquete. Só que parei de crescer”.

Mantém as mesmas amigas da adolescência — de preferência as que não só digam o que ela quer ouvir – e diz que viu “a cara feia da fama” quando alguns artistas tentavam boicotar suas participações em programas ou novos licenciamentos. “Era muito inocente, sonhadora. Tem muita inveja nesse meio, a imprensa me julgava, eu chorava com as críticas maldosas, sofri muito com o preconceito. Era tudo muito sutil, pequenos olhares, comentários nas entrelinhas, um desprezo pela minha luta. Como não sou de barraco, me recolhia, ficava miúda. Achavam que, por eu ser filha de um cantor de sucesso, não merecia estar lá. Se você canta em bar e boteco e, de repente, se dá bem, ninguém a incomoda. Eu enfrento um questionamento eterno, mas tudo bem. Estou pronta para o que der e vier, contanto que esteja cantando. Essa é a minha paixão, a minha vida; vou lutar sempre por ela e lutar feliz”. RG


CRÉDITOS
Produção Executiva: Zeca Ziembik; Beleza: Max Webber, com produtos Seda L’Oréal e Lancôme; Produção de objetos: Manuela Figueiredo; Produção de Joias Shully Dabbah; Assistente de Produção Executiva: Mônica Cury; Assistentes de Produção de Moda: Ana Eleonora Ratto e Gustavo Xavier; Assistente de Beleza: Krisna Carvalho; Tratamento de Imagens: Image Touch Creative Retouching. Agradecimentos: Apple, Artesian, Autore, Benedixt, Casa Matriz, Centauro, Charles Eames, Conceito Firma Casa, Esther Giobbi, Itatiaia, Leonardo Pop, Passado Composto, Reference e Trousseau.

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