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“Perdi o medo de envelhecer. Destes serem os últimos momentos da minha vida”, diz Marina Abramović sobre experiência espiritual no Brasil

Por Carol De Barba

“Minha ferramenta sempre fui eu mesma”, define muito bem Marina Abramović, uma das artistas mais importantes do planeta, ao falar com exclusividade para RG sobre seu mais recente trabalho, o filme “Espaço Além – Marina Abramović e o Brasil”. O documentário, dirigido pelo curitibano Marco Del Fiol, mostra as experiências da performer em busca da ligação entre arte e espiritualidade, de uma cura pessoal inclusive, em seis comunidades brasileiras. O longa ganha pré-estreia brasileira nesta terça (10.05), no Shopping Iguatemi, e entra para o circuito comercial a partir da próxima quinta-feira (19.05).

“Espaço Além” não tem, é claro, o mesmo poder do famoso “método Abramović” – é impossível comparar duas formas de arte tão diferentes. Mas, de alguma forma comum, não há como passar incólume ao documentário. Afinal de contas, ele é um relato extremamente aberto de uma experiência transformadora para Marina. “Eu me sinto bem, estável emocionalmente, feliz com minha vida agora, meu trabalho está indo muito bem… Sou muito grata ao universo, basicamente”, conta.

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O filme, gravado entre 2012 e 2013, mostra detalhadamente como funcionam comunidades como a liderada por João de Deus, os rituais dos quais Marina participa, o que ela sente, as pessoas com quem ela encontra e como isso reflete em sua arte. “Sou uma artista. Acredito que minha vida privada não pertence a mim, pertence a todo mundo. Então, se eu me mostrar aberta, vulnerável e realmente contar as coisas como elas são é a maneira de atingir o coração do público. Porque todo mundo tem os mesmos problemas que eu. Não os escondo, não finjo ser outra pessoa. Sempre mostro o que me envergonha, o que não gosto. Isso é uma parte muito importante do meu trabalho, ser honesta”, explica.

Marina usou basicamente o mesmo princípio para criar empatia com seus coadjuvantes e faze-los esquecerem das câmeras. “Eu não chegava nas pessoas como uma turista, apenas ligava a câmera e começava a filmar. Eu conversava com elas, explicava as minhas intensões para estabelecer uma relação. O melhor jeito de ganhar a confiança das pessoas é explicar de onde você vem como um ser humano não como um artista, um tipo de celebridade, nada disso. Isso é besteira. Eles tem que te ver de um jeito normal”, diz.

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Em uma das cenas, por exemplo, Marina, que sempre teve muita aflição com seus olhos, ajuda João de Deus a realizar uma operação justamente no globo ocular de um paciente. A câmera mostra tudo. Em detalhes. “Perdi completamente o medo. Depois disso, fui direto para Nova York (onde mora) operar meus olhos. Eu tinha catarata”, revela. Momentos como esse aparecem do início ao fim do documentário, e fizeram a artista abandonar outros receios. “Perdi o medo de envelhecer. Destes serem os últimos momentos da minha vida. Todos esses medos se foram. Sinto que as coisas vão acontecer de qualquer forma. Querendo ou não querendo, você tem que viver a vida como se todo dia fosse o último dia”, entrega.

Se você for assistir ao filme, não encare isso como uma cobrança para sair do cinema transformado, não. Marina não fez o filme querendo mudar ninguém. “Não espero nada. Só de mim. Não dá para esperar mudança das pessoas. Pensar sobre o que elas vão achar ou deixar de achar. Não é seu trabalho. O seu trabalho é fazer o melhor que você pode. Eu só sei que preciso ir até o fim”, conclui.

O DIRETOR
Marco Del Fiol, que há mais de 15 anos trabalha com documentários sobre arte contemporânea, não tem tanta certeza disso. “Eu queria fazer um filme que mexesse com o físico, o emocional, a mente, as ideias… Que você passasse por uma revisão de conceitos enquanto assiste. E que falasse com a sua alma. Acreditando ou não na existência dela”, afirma o diretor.

Tanto que, em nenhum momento, pensou em excluir cenas como a da operação de João de Deus. “Vozes de fora às vezes falavam que certos momentos eram muito fortes. Nós (Marina e ele) dizíamos: ‘não. De cara, a gente tem que estabelecer um pacto com o espectador de que esse filme é porrada, é hard core. Que espiritualidade não é só coisa fofinha”, justifica.

Marco teve total confiança de Marina durante a filmagem e muita liberdade durante todo o processo de transformar vivência em filme. Na hora do corte final, passou uma boa temporada em Nova York trabalhando ao lado da artista. “Um mês trabalhando com a Marina é um doutorado. Ela é a maior artista minimalista viva. Pô… Ela é um gênio”, elogia.

Fácil entender porque os dois se deram bem. A definição de Marco sobre o gênero que tanto ama tem tudo a ver com as crenças da “protagonista” de “Espaço Além”: “Eu acho que documentário é uma generosidade. É compartilhar a experiência de estar vivo neste planeta com mais pessoas de uma forma autentica. Que você se coloque com suas incoerências, com suas complexidades, com todas as suas cores”, resume.

Assim como ele, RG também acredita que a obra dá conta de mostrar várias facetas de Marina. Assista!

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