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“Cinema é dominado pelo homem. Ninguém aguenta mais explosão de carro e coisas que não dizem nada”, diz Mayana Neiva

Por André Aloi

Mayana Neiva é só sorrisos ao falar de seu novo filme “Para Minha Amada Morta”. O longa tem levado prêmios nos festivais onde passa. No de Brasília, semana passada, arrematou sete estatuetas, incluindo o de melhor direção para Aly Muritiba. “Foi muito bom ver o filme bastante premiado em um festival tão substancial quanto o de Brasília. Deixa a gente muito feliz”.

Mas, para a atriz brasileira radicada em Nova York, o cinema ainda é dominado pelo homem, da visão do masculino. “Excesso de fala, explosão de carro e coisas que não dizem nada. Ninguém aguenta mais ver isso. Eu como atriz não aguento mais. Além dessa questão de gênero, acho que a mulher consegue tratar de um aspecto mais subliminar do ser humano e conflitos mais delicados”, comenta, falando que tem vontade de trabalhar com mulheres e homens sensíveis, como Walter Salles, de “alma sensível” pra contar histórias arrebatadoras .

Ela se diz muito feliz com esse movimento das mulheres no cinema, a exemplo do filme de Anna Muylaert, protagonizado por Regina Casé (Que Horas Ela Volta?), e indicado brasileiro para concorrer ao Oscar. “Traz um novo paradigma para o cinema brasileiro. Narrativas femininas e personagens fortes, que discutem uma relação fundadora do Brasil, praticamente escravocrata, da empregada doméstica. Tem uma humanidade surreal das duas atrizes e da diretora”.

Mas a personagem de Mayana no filme “Para Minha Amada Morta” também é forte. “Ela é uma evangélica, era difícil pra mim – como feminista – conectar com uma mulher que aceita tantas coisas. Mas ai eu me apaixonei pela personagem. E já andava caracterizada por Curitiba”, explica. “Fui em todas as igrejas (pra fazer ambientação) por aqui. Muitas das mulheres, me apaixonei pela beleza delas, que são tão diferentes de mim, que tenho minha fé em outro lugar”.

Quando o diretor mandou o roteiro para Mayana, ela diz que quase ficou louca. “Adorei e ele me fez um monte de provocação. ‘Quero que você ganhe peso, mude. Ela tem uma caracterização diferente de você’. Tinha que fazer todo um trabalho de composição. E, pra mim, foi muito bom”, comenta, falando que engordou quatro quilos. “Queriam que engordasse mais, mas tive pouco tempo. A gente fez um trabalho de composição com a roupa pra parecer mais”.

A história do longa gira em torno de um cara que perde a esposa e ele encontra uma fita que o perturba. Mayana interpreta a evangélica Raquel, casada com um cara procurado por esse marido que se sente traído. “Ela fala pouco, tem o olhar mais baixo. Eu sou uma mulher que gosta de falar, me expressar com gestos. Foi o desvendar de um segredo. Tenho uma prática muito intensa, religiosidade é grande parte da minha vida. Tenho essa ponte com ela nesse sentido. Mas a maneira de praticar é totalmente diferente”.

FORA DO PAÍS
Atualmente, Mayana está morando em nova York com o marido (o chef Rich Torrisi) e a cadelinha Nell (uma bulldog francesa), que trata como filha. “Família é lugar de acolhimento eterno. Estou num momento de transição entre lá e cá. Acabei de gravar um filme na Argentina, volto para os EUA pra gravar outro, de Andrew Bell (“Idée Fixe”), que aborda a relação de uma atriz com um diretor, inspirado em Orson Welles com Oja Kodar. Fala sobre até que ponto vai a obsessão por uma carreira”.

Formada em literatura, com um livro publicado, gosta de pensar de que é sua própria narrativa. “Estou tentando descobrir a minha”, brinca. “Eu moro no Soho, em Nova York, então ando de bicicleta, vou três vezes por semana num templo budista, estava em cartaz com uma peça lá, no ano passado. Fazer TV é um outro exercício de prática todos os dias. Porque tem um texto novo e um lugar diferente, interação com outros atores. Mas o que te realiza são contatos que te transformam”.

Afinal, o que levou Mayana a buscar outro país para se embrenhar numa carreira do zero, sendo que no Brasil ela já tem uma consolidada. Até que ponto vale este investimento? “Na verdade, todo ator se pergunta isso. Porque é uma profissão muito difícil. Uma hora você tem um trabalho fixo, outra, uma vida nômade. Muitas vezes estar no horário nobre da TV não significa sucesso. A realização profissional está muito relacionada à pessoal. E o ator não é só o instrumento na mão do diretor. Ele mesmo tem seu próprio discurso. Um ator como Wagner Moura, por exemplo. A presença dele é um discurso nos trabalhos que faz. Tem uma interlocução com aquilo que ele acredita”.

Mayana não credita apenas a barreira da língua a maior dificuldade para conquistar papeis lá fora. “No meu caso, graças a Deus nunca foi o sotaque. A dificuldade é que a mulher no Brasil é vista de uma maneira, como se fosse um lugar comum. Ao falar espanhol, inglês e português existem três dimensões de você. As nuances de interpretação passam pelo sotaque, mas acho que tem a ver com o mercado. Acho o Wagner maravilhoso em ‘Narcos’, e ouvi críticas de que ele não tem sotaque colombiano. Pablo Escobar está naquele homem. Sotaque é um preciosismo. A maior dificuldade é ter uma chance, se estabelecer, além do óbvio. Nesse ponto, acho que a Alice Braga consegue fugir disso e está construindo uma carreira linda”.

Mayana diz que é difícil responder se existe algo que a traria de volta ao País. “Não existe saída de vez ou volta de vez. O mundo é plural. Existem atores que conseguem transitar fora do Brasil”, explica, citando como exemplo Claudia Ohana, que também acabou de fazer um filme na Argentina. “Brasil é meu lugar. Sou brasileira, amo aqui. Estou nesse momento fora, mas adoro trabalhar com diretores e artistas em geral. Sou apaixonada”.

Casada com um chef, Mayana só é boa de garfo. “Lá, quem cozinha é ele. Como, acho maravilhoso. Ele tem um talento incrível. Sou boa de café da manhã, ele faz o resto”. Ela vive seu momento fishtariana (dieta à base de peixe). “Só como peixe! Muitas descobertas no universo alimentar”, comenta, dizendo que adora estudar a cozinha vegetariana. Além da cozinha, sua paixão mesmo tem sido a meditação. “É a busca da minha vida. O budismo é um caminho de iluminação. A gente limpa a nosso quarto, a nossa casa, mas nunca a nossa mente”, prega a Nova Tradição Kadampa.

PELOS FESTIVAIS
O filme já passou pelos festivais de Montreal, no Canadá, onde ganhou de Melhor Filme, San Sebastian (Espanha) e em outubro, vai pra Chicago.

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