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Confira a crítica de “Winter Sleep” por Eleonora Rosset

“Winter Sleep” – Idem, Turquia, Alemanha, França, 2014
Direção: Nuri Bilge Ceylan

Uma paisagem de grandes pedras, neve e lama. Na Anatólia, região central da Turquia, os homens habitam em cavernas nas rochas, há milênios. Dentro delas, hibernam durante o inverno rigoroso.

Um jeep laranja vai no seu caminho, com dois homens dentro. De repente, uma pedra atinge o vidro da janela do passageiro. O motorista corre atrás de um garoto que foge. Por que aquele menino fez isso?

A partir daí, presenciamos a um demorado desmoronar das certezas de Aydin (Haluk Bilginer, excelente),dono de um hotel na região, homem rico, herdeiro de propriedades do pai.

Aquele menino pertence a uma família que não consegue pagar o aluguel da casa alugada. São inquilinos de Aydin e submissos a ele, mas numa postura de fachada. Por trás há ódio.

Mas o ex-ator e escritor de colunas num jornalzinho local parece não se interessar pelo vil metal. Deixa seus negócios, basicamente aluguéis e o hotel, nas mãos do motorista, Hydaiat, enquanto se refugia, com seu computador, em seu estúdio aconchegante.

Ele pretende, um dia, escrever a história do teatro turco. Diz que será um livro importante, já que conhece bem o assunto.

Mas essa pose de “grand seigneur”que Aydin mantém, com discursos longos nas conversas com a irmã Necla (Demet Akbaj) ou com a esposa Nihal (Melisa Sozen), muito mais jovem que ele, fica cada vez difícil de ser mantida.

Acusa a irmã, recém divorciada e a esposa, de preguiça e de viver às custas dele. Através da disfarçada desvalorização dos outros, Aydin consegue manter sua auto-estima num nível alto.
Para ele, só vale o que ele pensa sobre o mundo. Arrogante, pede a opinião dos outros apenas para reduzir tudo que a outra pessoa fala em seu oposto. É distante e frio, com aparência de ser magnânimo e generoso.

A caçada de um cavalo selvagem, que se joga na água lamacenta do rio para lutar por sua liberdade, abala Aydin, que começa lentamente a dar-se conta de sua crueldade. Não apenas com as outras pessoas com quem convive mas principalmente consigo mesmo. Ainda frouxamente, algo dentro dele quer também libertar-se do jugo desse tirano que domina a personalidade dele.

É com interesse que seguimos os lances dessa luta interna.

O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes 2014 e o prêmio da Federação Internacional dos Críticos de Cinema, o FIPRESCI. Aliás o diretor turco Nuri Bilge Ceylan de 55 anos é premiadíssimo em Cannes. Além desses dois últimos prêmios já ganhou o de melhor diretor em 2008 por “Three Monkeys”, duas vêzes o Grande Prêmio do Júri por ”Distant” 2002 e por “Era Uma Vez na Anatólia” 2011 e mais três FIPRESCI por “Small Town”1997,“Clouds of May” 2000 e “Climates” 2002 .

O diretor, e co-roteirista com sua mulher Ebru Ceylan, consegue criar um clima que vai se adensando e que, como gelo fino, ameaça o lugar e a pose imperial de Aydin.

“Winter Sleep” alude a um longo período de hibernação da alma de Aydin, que, frente a um fato que o atinge mais fortemente que os estilhaços do vidro daquela janela, vai despertar para a vida.

Tarde demais?

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