Gata velha ainda mia

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Por Bárbara Paz

Desde 1965 na televisão, Regina Duarte nos embriaga com suas doces, loucas e santas, infindáveis texturas de mulher. Na vida, é atriz, mãe, avó, e uma adorável e incansável pescadora de todo tipo de coisas nas lojas de R$ 1,99. Sim, Regina adora as lojas de R$ 1,99. E anda por aí de shorts e camiseta, como uma garota de outros tempos.

Ensaiamos durante três meses para Gata Velha Ainda Mia, esse filme/peça de teatro de Rafael Primot, que estreia no próximo dia 15. Almoçávamos juntas e estudávamos, gargalhando. Regina é engraçada, uma palhaça, a diva do picadeiro. De Gata para Gata, propus um jogo, como aquele leite que bebemos no pirex… em que assumimos um pouco das personagens Gloria (ela), e Carol (eu), também. Miaaaaau…! aaau…aaaau…!
Bárbara Paz: Gata velha ainda mia?
Regina Duarte: Sabe essa mistura de inseguranças e certezas absolutas que nos assaltam quando ainda acreditamos que somos indestrutíveis-corpore-sano-in-mente-sana-conservadas-em-formol? A vida nos presenteia com novos brotos, galhos, flores e frutos mas também nos faz estragos irreversíveis na alma, no que considero aquele tecido feito de fé, na doçura das boas crenças. Será possível, pergunto eu, que a geração que um dia queimou sutiãs em praça pública possa ter estado sempre correndo atrás da fantasia de ter “um homem só pra si” e acreditando no “felizes para sempre” seja lá de que forma tiver que ser?! Até porque seria indispensável que a dura luta de emancipação presente em tantas vidas de gente da geração 50/60 tenha valido a pena. Os tempos atuais não passam a mão na cabeça de ninguém, reparou?

BP: Liberdade tem seu preço. A emancipação da mulher provocou isso também… O afastamento do sexo masculino. O medo.
RD: Minha querida, eu fico me perguntando se este medo não existiu desde sempre! Não consigo aceitar que possa ser computado só ao movimento de emancipação da mulher acontecido nos anos 60. Os Clubes dos Bolinhas e Luluzinhas são arquicentenários! Os cromossomas são diversos, amor, no sentido de diferentes… E agora vou dar um chute, tá? A meu ver, os ingredientes que fazem (ou não) a liga do masculino com o feminino são: desejo, interesse pelos opostos, sexo e pavor do abismo afetivo. Tudo inerente a todo ser humano!

BP: Para eles o “já está tudo preenchido”, já está completo por nós mesmas. Será que não queremos mesmo que passem a mão em nossas cabeças?
RD: Quando eu era adolescente e insegura, sim, normal, não? Mas agora? Tipo todo santo dia?! Só pra que ele se sinta preenchido com o sentimento do ser indispensável? Será…?! Será que eu saberia jogar esse jogo?!

BP: Não queremos mais mendigar amor, mas não vivemos sem ele.
RD: Claro que com AMOR é melhor! Concordo total!

BP: Pelo ou menos eu não vivo. Ando sempre à procura desesperada dessa sensação. A vida só vale a pena dividida. E com um só homem Gata: um só homem para todo o sempre… até que esse sentimento acabe.
RD: Ah, bom…! Claro que sim, tô aderindo… Tipo Vinicius de Moraes… não é?!

BP: Infinito enquanto dure sim… A vida pra mim ainda é uma sucessão de relações.
RD: Tem sido assim pra mim também, Gata! E talvez seja esta a arte mais difícil do mundo: conviver – cotidianamente – com alguém! Ai! São tantas as negociações…! Ai, ai ai! Ou não?! A não ser que a gente encontre a chamada “alma gêmea”. Mas você acredita nisso? Desculpa, tá, mas nem eu.

BP: E agora que estou começando um processo de envelhecer…
RD: Parou!!! Nã nã nã nã nã… Essa vibe não é ainda nem minha, quanto mais sua, meu neném! Pode ir recolhendo esse acelerador que não tá ainda na hora de sequer pensar nisso, minha linda!

BP: Afinal sou uma mulher de trinta…
RD: Oba! Então, gatona, cê tá no ponto! Ou melhor, eu diria que cê tá quaaase no ponto! Me falavam: “a vida começa aos 40” e eu não acreditava. Sabe que é verdade?! Pura, extraordinária verdade! A gente se vê finalmente no alto da montanha e aos nossos pés, os 360 graus inteiros do horizonte, como diz uma das personagens de Três Mulheres Altas do Edward Albee.
Aliás… Que texto, hein?! Super!!! Magnifique! Vamos fazer…?!

BP: …e poucos, quase quarenta. Não tenho filhos ainda e meu miado tem se tornado cada vez mais lento com o passar do tempo, mais observador.
RD: Se agarra, Gata, no que você tem e agradece todo santo dia porque definitivamente não é pouco, minha fofa! Felicidade consiste em amar o que a gente é, o que a gente tem. Fora isso é perda de tempo, impotência e sofrimento. Ih… Hoje eu tô tão Manual de Auto Ajuda… Xô…!

BP: Minha pergunta é como essa Gata, que ainda mia tanto nos auge dos 66 anos, e que está de cara lavada, exposta, dando vida a uma personagem emblemática nesse filme (uma jornalista faminta, sádica e inconformada pela perda de um amor), como essa Gata Regina lida com as marcas do tempo? Com a sexualidade? Com o seu feminino?
RD: Barbara… Ops… Carol… Olha aqui: não gostei do “faminta-sádica”! Golpe baixo, tá?! Pode retirar, garota, agoraaaaa! (cara feia). (Respira fundo e se acalma) Sou uma mulher vivida, assumo as marcas com que o tempo me presenteou, sempre aberta para o sonho do amor. A gente tá falando de paixão, não?! E paixão… você sabe, é faca de dois gumes! Tem sempre um final que é mais ou menos assim “mas eu sabia, não sabia?! Que maluquice foi essa de achar que desta vez seria forever…?!”. Minha sexualidade. Hum. Sim, sei, entendi. Acho que prefiro chamar de libido. Pulsão. Vai bem. Aqui tá tudo em cima. Que mais?! Peço, afinal, pra terminarmos por agora… perdão. Carol, minha linda, me perdoe por alguma agressividade que a frustração e a lucidez de anos e anos de vida me impuseram e que eu possa ter deixado transbordar em você. Sou uma pobre “sobrevivente”, meu amor! E se você estivesse lá, no furacão de sexo drogas e rock’n’roll em que me deixei tragar nos idos de 50, 60… Você saberia que isto não é pouca coisa, baby! E agora me dá aqui essa sua nuquinha, Carol. Tô louca pra dar um “cheiro” em você! Vem cá… vem! Tenha medo não, meu amor, Gloria não morde, baby! Isso… Chega mais… hummmmm… Miauuu.

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