Por Eleonora Rosset
Quando nasce um bebê, nem sempre ele encontra uma mãe acolhedora. Depressão pós-parto, dificuldades com o marido, ausência dele, problemas de todo tipo podem acontecer e afastar a mãe da criança.
É o que Marta (Samanta Castillo), que mora num conjunto habitacional muito pobre em Caracas, Venezuela, conta ao médico do posto de saúde onde leva o filho Júnior, de 9 anos, para ser examinado:
“- Doutor, sabe o meu filho Júnior? Ele tem uma cauda. Quero saber se é por isso que ele é gay”, diz a mãe, a sós com o médico, depois do exame do menino.
“- Foi ele que te disse isso?” pergunta o médico.
“- Não… Ele vai sofrer na vida, não é? Mas eu acho que é tudo culpa minha. Acho que ele é assim porque não consigo tocá-lo… Com o bebê é diferente. Brinco, toco nele. Mas com o Júnior nunca consegui. Não gosto de tocá-lo.”
“- Não há nada de errado com essa criança. Ele não tem cauda. Algumas pessoas tem ossos maiores do que as outras. Talvez falte a ele conviver com um homem e uma mulher e ver que eles são felizes…”, aconselha o médico.
Marta, uma mulher jovem, desempregada, ignorante, sem marido e com dois filhos para criar, observa o maior, Júnior, e se apavora porque acha que o menino tem trejeitos quando dança, que olha para os homens, que não gosta de brincar com os outros meninos. Para ela, ele é gay.
E, para piorar, Júnior (Samuel Lange Zambrano) tem obsessão em alisar o cabelo. De pele mais escura do que a mãe e do irmão bebê, fruto de outra relação, Júnior é um garoto de feições bonitas, grandes olhos, longos cílios, magrinho e tem cabelo crespo.
A avó negra, mãe do pai, é a única que sabe alisar o cabelo dele com uma escova e o secador. Mas ela cobra caro. Ele tem que aprender a dançar e a cantar como ela quer. É doloroso percebermos que a avó está de olho na criança porque acha que pode ganhar dinheiro com ele.
Propõe à mãe:
“- Eu fico com ele. Ele não vai mudar, você sabe. Pago o preço que você quiser.”
Marta, que não gosta da sogra, sempre tira o menino de lá. Mas dá para perceber, claramente, a irritação com que fala e olha para Júnior.
Dói no coração a cena em que o menino afaga o cabelo liso da mãe e diz para ela:
“- Vou cuidar de você até você ficar bem velhinha.”
Ele arruma a mesa para a mãe, cuida do bebê, dá mamadeira, mas fica claro o seu ciúme quando a vê pegar o bebê no colo, dar o banho falando com carinho, enquanto deixa o pequeno brincar com seus seios nus.
O filme Pelo Malo é comovente. Fala de preconceito, pobreza, ignorância, homossexualidade, machismo, mas principalmente de um problema de identidade. Aquele menino de 9 anos e que é diferente dos outros, explica para si mesmo que tem um horrível “defeito” [no pensamento dele]: o cabelo crespo.
Certamente, a obsessão com o cabelo encobre o desejo de ser aceito pela mãe. Ele pensa que, se ao menos pudesse corrigir esse defeito, ela gostaria mais dele.
Pelo Malo não é maniqueísta. Não há culpados nem inocentes. Ao assisti-lo compreendemos a mãe, na sua fúria de sobreviver e ter que cuidar de dois filhos, e Júnior, na sua teimosa intenção de se tornar mais bonito, ter cabelo liso e assim, finalmente ser amado.
Pelo Malo tem um discurso duro, lida com pessoas ignorantes mas promove empatia e reflexão.
Serviço:
Pelo Malo
Frei Caneca – Espaço Itaú de Cinema
Sala 8 – Legendado
14h, 16h, 20h, 22h
Rua Frei Caneca, 569 – Consolação – São Paulo – SP – Tel.: (11) 3472 2359