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Mateus Solano: virou mocinho

Ator foi o vilão da vez. Capa de RG, foi traduzido por Bárbara Paz, sua parceira de novela

No mês de outubro, RG elegeu Mateus Solano para a capa. Na mira da mídia por conta de seu personagem Félix, o ator bombou no fim da trama de Walcyr Carrasco, “Amor à Vida”. Na época, convidamos Bárbara Paz para “traduzir” o vilão, que terminou a novela sendo uma das peças da “libertação” careta que a TV Globo mantinha com relação ao beijo gay (que você pode ler aqui).

Leia na íntegra o texto da atriz Bárbara Paz:

“Chegou cantando. Falou pausando, acendeu um cigarro,  encostou a cabeça na parede. Soltou a primeira fumaça. Pediu silêncio e uma música.

– Café? Uma cervejinha seria melhor.

Sorriu.

O sorriso aberto, claro, honesto e desafiador, que já conheço bem. Um sorriso embalado pela música e pelas artes cênicas.

Nasceu menino, jogou futebol, basquete, vôlei. Fez tênis, natação e ginástica olímpica. Mas o corpo não se bastou no esporte. Os figurinos, que os irmãos Solano brincavam de vestir, despertaram nele a vontade e a certeza de dar vida a  personagens. De inventar, iludir, ser outros. Um grande contador de histórias.

Foi uma criança tímida, criada em um universo feminino,  sob a sensibilidade da mãe, que lhe abriu todas as portas:  aulas de violino, canto, teatro, idas frequentes a museus, exposições, cinema. Aprendeu que estudar o outro era estudar a si mesmo. Passou boa parte da infância crescendo através do outro, buscando aprovação no olhar externo. Quando os laços afetivos dos pais se romperam, a criança de quatro anos ficou com um vazio no peito. O pai, diplomata, viajava muito. O menino ficou com os sonhos. Vendo a figura masculina apenas duas vezes por ano. Um buraco que lacrimeja seus olhos, até hoje. Uma falta presente. “A infância é e sempre será o mais importante para o meu trabalho. Essa virgindade no olhar que a criança tem. É o que mais me interessa. Eu acho que eu devo essa possibilidade de brincar de ser outras pessoas a isso, a essa criança. O meu trabalho é totalmente lúdico. O que eu conquistei até hoje foi através dessa crença na fantasia. É o que eu consigo manter de saudável da infância.”

É doce o Mateus Solano Schenker Carneiro da Cunha. É enorme o ator que se formou, a criança que transborda em muitos. Hoje em um grande vilão. Gay, engraçado, psicopata e egocêntrico, eis Félix, o sucesso do horário nobre da Rede Globo! “Ser Félix é libertador, porque a gente brinca com essa feminilidade, no sentido de dar pinta e falar mal, e no fundo é o que todo mundo queria fazer: ser mais gay, no sentido alegre!”. Gay power. Sexy. “A sexualidade pra mim é uma coisa aberta. Não no sentido de ter tido várias experiências ou alguma experiência homossexual. Não, não tive, mas podia ter tido, tenho muitos amigos homossexuais, e muitos desses já me cantaram, e tal… Mas nunca fiz nada de mais”.  Que coisa aberta é essa então? “No olhar. Para qualquer escolha que a pessoa escolha pra si. Sempre fui muito aberto para o que a pessoa esteja disposta a fazer. Eu acho fascinante alguém diferente de você. Eu não acho que isso tenha que causar medo. Eu respeito e tenho interesse. E se tem algo nesse trabalho de que me orgulho não é só o fato de estar arrancando risada, mas poder falar de algo tão contundente, sério e libertador. Na novela de Manoel Carlos, Viver a Vida, eu tive a oportunidade de falar de alcoolismo, de cadeirantes. Agora tenho a chance de quebrar um tabu. A coisa que mais me dá respaldo, pela qual eu mais me sinto realizado nesse trabalho, é poder falar do homossexualidade  com a propriedade que o texto do Walcyr me traz. E talvez seja por isso que eu fico tão aliviado quando eu ouço as pessoas dizerem que o trabalho em Amor À Vida pode fazer as pessoas pensarem um pouco mais nas liberdades pessoais. Não tem a ver só com a questão homossexual… É  maior do que isso… Eu acho!”

O sargento Chip Frederik, condenado por maltrato, agressão e humilhação sexual aos confinados da prisão iraquiana de Abu Ghraib, é um tipo normal. Não apresenta, segundo análise dos psiquiatras, psicopatias nem tendências sádicas. Como Adolf Eichmann. A normalidade do homem responsável pelo transporte de deportados aos campos de concentração alemães durante a Segunda Guerra Mundial  foi certificada por seis psiquiatras. “Então, o que é  normal? O que faz com que uma pessoa, entre muitos, inclusive boa, atue com maldade? Qualquer um pode cometer um ato horrível?” Esta é uma das interrogações do psicólogo Philip Zimbardo, autor do livro Efeito Lúcifer, que inspirou Mateus a compor este psicopata carente, um homossexual maldoso,  cheio de humor negro e eternamente rejeitado pelo pai.

“Eu acho a maldade deliciosa. Maldade é tudo que aquilo que a gente quer fazer e sabe que não pode… Às vezes a gente quer matar a mãe, quer matar o pai – claro que a gente não quer que eles morram… A gente fala isso, bota pra fora… A gente não pode matá-los e querê-los na manhã seguinte… A vida não é sessão da tarde! Mas a maldade está aí. E a gente precisa ser educado. Só educação doma a nossa maldade. Acho errado quando as pessoas falam que, quando alguém comete uma atrocidade, é desumano. Não há nada mais humano do que a maldade premeditada… Nenhum outro animal é capaz de arquitetar o mal de uma pessoa”.

Da relação diária com a maldade, vem uma constatação mais dura: “Cada personagem me ensina alguma coisa. Félix está me ensinando a me impor mais, ser às vezes mais egoísta. Não porque temos que ser mais egoístas. Mas porque eu acho que eu deveria ser menos complacente com o que eu acho que os outros querem de mim”.

É compreensível que queiram-no todo, e muito e para muito mais, se considerarmos quem é. Trata-se de um ator compositor, um maestro do seu próprio trabalho. Estuda, compõe detalhadamente cada movimento, cada gesto, cada olhar que a personagem terá. Um homem de teatro. O palco sempre foi o lugar em que queria estar. Não se lembra de ter pensado em outra profissão quando criança. Fez Teatro Tablado e, na França, passou pelo Théâtre du Soleil. Tem mais de 20 peças no currículo. O seu retorno será sempre constante e necessário. “O teatro é sagrado pra mim. De vez em quando volto ao tablado só para ficar em silêncio, voltar pra mim. A essência de tudo”.

Mateus é também da mesma geração dos nossos grandes comediantes da atualidade, como Marcelo Adnet, Leandro Hassum, Fernando Caruso, Gregório Duvivier. Poderia estar ao lado deles, tranquilamente, nos fazendo rir o tempo inteiro. Pois é um palhaço. Um imitador, compositor de canções hilárias. O set ganha uma nova vida e alegria quando ele está presente. É nosso oxigênio. Nosso bom humor! Essa divindade Solano é viciante! Você sente saudades. Você bate palmas. Os câmeras, os técnicos, todo o estúdio fica florido quando ele entra.

Nasceu 1981, é judeu, pai, marido, gosta de subir montanhas, pedalar, escutar jazz, música clássica, MPB, fazer churrasco, beber cerveja, olhar o horizonte. Gosta de Rilke e do rabino, Nilton Bonder. Casou com Paula Braun, atriz, em 2011. No altar, um grande amigo fazia as vezes de padre. Liam no iPad o “Sim” e o “Seremos felizes para sempre”. Um casamento contemporâneo, em que o católico, o judaísmo e o profano se misturavam. Pratos eram quebrados e a noiva segurava a filha do casal no colo. Eu estava presente, e foi inesquecível,  original e poético. Vi uma nova geração surgindo. Mentes abertas e coração tranquilo. “Ser pai é dar um sentido de proteção, de território. Uma coisa doida, muda tudo, na hora, uma avalanche. Eu me vejo nela o tempo todo, na verdade eu me vi poucas vezes fora dela… assusta. Seu olhar para o mundo já não é mais o mesmo”.

Foi na sua inesquecível interpretação de Ronaldo Bôscoli, na serie Maysa, que Mateus apareceu de vez na TV, para nunca mais sair. Já tinha passado por várias participações na Globo, mas a semelhança com Bôscoli era tão grande, e sua sensualidade e beleza tão fortes, que encantou a todos. De lá para cá, não parou. Fez o os gêmeos Jorge e Miguel em Viver a Vida, Ícaro em Morde e Assopra e Mundinho Falcão em Gabriela.

Hoje, faz de todos nós sua cativa plateia. Só precisamos de um bom sofá e do botão vermelho do controle remoto para assistir ao grande show que Mateus nos proporciona todas as noites. “Félix é teatral, e quando eu percebi isso, relaxei. Ah… então aqui é um território que domino, que eu sei fazer. Estou trazendo o teatro para a televisão. E isso não tem preço”.

E se tivesse, Mateus, nós pagaríamos… Esse espetáculo é único. Imperdível.

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