Por Rosana Rodini
“Quando você me deixou, meu bem. Me disse pra eu ser feliz e passar bem”… A letra é do Chico, o Buarque, mas quem canta, baixinho, e pra mim, é Alessandra Negrini. Olhos nos meus olhos, com o perdão do trocadilho, para situar a sua nova história. Ela é Violeta, personagem central de Abismo Prateado, que estreia nos cinemas brasileiros neste abril. “A música é o mote do filme que trata da jornada de uma heroína, uma dentista de classe média abandonada pelo marido por um recado no celular.” É aí que entra em cena a atriz, umas das mais consistentes da sua safra. “Foi uma difícil preparação. Porque sou eu praticamente o filme todo. Ela sai pelo Rio de Janeiro, contracena com o barulho, com o trânsito, com seus demônios. É muito sensorial. E imagético também. Não é um filme que brasileiro está tão acostumado a ver. Lá fora há mais treino de olhar”, pontua. De fato, Abismo estreou em Cannes sob salva de palmas e ótimas críticas. No festival de Havana, Alessandra levou o prêmio de melhor atriz. No do Rio, Karim Aïnouz saiu com o troféu de melhor direção. “Topei fazer porque queria muito trabalhar com o Karim. Escolho os meus papéis assim: um bom diretor ou um bom roteiro.”
RG: Você buscou seus abismos na construção desse personagem?
Alessandra Negrini: Fui fundo. O que não significa buscar uma historinha que tenha acontecido com você. O ator tem registros inconscientes. Você vai, cava, cava… até que acha aquela substância. E mergulha nela. O filme é um longo dia na vida dessa mulher. Esse dia é o abismo, um corte no tempo. A gente tem a impressão de que a vida vai em linha reta. Mas, de repente, o tempo se interrompe. É o não tempo.
RG: É uma jornada em busca da cura. Qual o seu processo de cura?
AN: A cura é um processo natural do ser humano. A gente tende à cura. Só se sara quando vai lá no fundo. Sou do tipo de pessoa que não toma antidepressivo. Tenho perfil guerreiro. Gosto de lutar. E sem anestésico. É da minha natureza passar pelos processos. Mas não me entenda mal: não sou masoquista. Falo da trajetória, não de auto- penitência e autoflagelação. Mas de superação.
RG: A Violeta é uma mulher comum. Sente falta dos dias de anonimato?
AN: Há a superexposição… Já passei por momentos difíceis na minha vida, de fofocas, invenções. Gente tentando transformar a sua vida, ironicamente, numa novela. Mesmo depois do fim da trama. Até entendo esse desejo, mas gosto do anonimato. Gosto de andar na rua, de observar, de ver os outros mais do que ser vista. Adoro silêncio. Não sou uma pessoa exibida. E não me sinto bem tendo de fazer o papel da atriz o tempo todo. Prefiro pensar e apreciar, ter liberdade pra fazer o que quiser. Mas não tem…
É aí que vou me adaptando. No Rio, por exemplo, não vou à praia. E não vou porque tem fotógrafo.
RG: Contra o Big Brother, quais seus escapes?
AN: Sou discreta, é da minha natureza. Mas também sou urbana, gosto de cidade, de informação. Vivo entre Rio e São Paulo, mas moraria em Nova York. As viagens são válvulas de escape sim. Mas o grande barato da vida é o aprendizado. A gente tá aqui pra isso. No amor, por exemplo, dá pra passar a vida inteira com uma pessoa se houver troca. Mas quando acaba o aprendizado, acaba tudo.
RG: Por falar em amor, você está namorando o fotógrafo João Wainer. Pensa em ter mais filhos, casar outra vez?
AN: Não tenho vontade de ter mais filho. Ou melhor, até tenho, mas não quero. Quis ser mãe cedo. Sempre quis. Mas, se foi uma grande transformação? Não. A maternidade é um processo natural das coisas. Queria ser mãe, e fui. Não mudei nada e não entendo quem fala isso. Mas sim: filho dá um sentido maior pra vida, é uma referência clara. Filho te atualiza, você fica mais jovem. Você é obrigada a acompanhar o futuro. Filho é o futuro. Sobre casar… não sei. Agora não sei.
RG: Abismo Prateado é um filme mais conceitual. O que acha do cinema brasileiro atual?
AN: Acho que a gente está indo. Som ao Redor foi uma das melhores coisas que vi nos últimos tempos. É uma alegria aquele filme. O cinema nacional está voltando. Porque ele foi amputado por muitos anos. Agora volta-se a falar de cinema, pensar cinema. E, espero eu, que não apenas como número. Números, números e bilheteria… como isso me cansa. Pelo amor de Deus, vamos falar de outras coisas? Discutir cinema e não marketing. De qualquer forma, é um bom momento. Mas ainda há muita coisa a se fazer. Principalmente depois que o filme fica pronto. Um longa tem de ser pensado estrategicamente. E temos de formar plateia que queira ver filme nacional.
RG: Quais são seus próximos projetos?
AN: Vou fazer teatro agora que acabei a novela (das 6, Lado a Lado). Será em São Paulo, neste semestre. Mas ainda estou fechando. Na nossa profissão, não dá pra prever muito.
RG: E a vida, dá?
AN: Quero bons personagens, bons filmes. Ser feliz. Não tenho nenhum grande sonho a não ser o sonho que todo mundo tem. Ter saúde, filhos bem criados.
RG: Numa das cenas mais legais do filme, você dança sozinha e freneticamente numa boate a música “She’s a Maniac”. Era você ali?
AN: Adoro dançar, ajuda a colocar tudo pra fora, é o que ela faz no filme. Saio pra dançar bastante. Festa, show, vou a tudo. Fui a um incrível do Radiohead.
RG: Você se cuida?
AN: Me cuido comendo coisas saudáveis, mas não sou louca. Amo fazer ginástica. Academia, porque detesto esporte. Tento não comer gordura e proteger a pele com protetor solar. Tem muita coisa hoje em dia que não é plástica. Laser, essas coisas todas.
Já fiz. O que eu jamais faria? Não sei. Tudo é questão de bom senso. A base é o equilíbrio.
RG: É equilibrada?
AN: Não sou. Sou uma pessoa muito intensa. Vivo tudo com muita fome. Mas hoje em dia sou mais equilibrada, aprendi a ser. Os anos de psicanálise ajudaram. Tá mais fácil. Eu sofria mais, mas a gente vai aprendendo. Sempre aprendendo.
RG: O que te alimenta?
AN: A jornada da vida. Acho interessante a eterna mudança dos acontecimentos. Pensar sobre isso, de uma forma distante. Entrar em contato com as coisas. Amigos me alimentam. Amizade é fundamental. Meus filhos, o contato com eles. É lindo e passa tão rápido…