Top

Carolina Jabor @RG

Grávida de uma menina, parindo seu primeiro filme, eis a cineasta, impressão digital da RG de fevereiro

Por Rosana Rodini

Grávida de uma menina, parindo um filme, Carolina Jabor nos recebe em sua casa, no Rio, para uma inédita espiada em sua intimidade. Um bom filme. Abaixo, a entrevista, que está na RG de fevereiro, na íntegra.

“Ela me perguntou quantas pessoas eu já vi morrer. Quantas pessoas você já viu morrer? Nenhuma, eu disse. Ela sorriu e disse eu vou ser a primeira. Eu disse vai. Ela disse boa sorte. E morreu.” Começo com um trecho do fim, o fim da história que Carolina Jabor escolheu para contar nos cinemas. Boa Sorte, adaptação do livro Frontal com Fanta, de Jorge Furtado, será o primeiro longa-metragem da cineasta carioca de 38 anos e olhos azuis que desconcertam. “Essa coisa de fim é bobagem”, começa, olho no olho. O assunto aqui, o meu e dela, não é a morte, mas a difícil escolha de um filme. “Não fico pensando em qual será o grande projeto da minha vida. O fim pode ser hoje. O negócio é produzir”, dispara a mulher que é objeto de desejo de RG há tempos. A Carolina, educada, ia se esquivando. “Sou discreta. Me mostro quando tenho motivo.” De fato, a fase é repleta de razões de ser: além do filme de estreia, nossa personagem acaba de ganhar um louvável Emmy com a série Mulher Invisível, parceria da Conspiração, produtora da qual é sócia, com a Rede Globo. Há outros projetos pela frente. O maior deles? Uma menina, seu segundo filho, fruto do sólido casamento com o diretor Guel Arraes, que nasce em abril, logo depois que ela parir a sua película. Sorte? Também, talvez. Mas há muitos outros elementos na ótima equação que, vim a descobrir, é a Carolina.

Estamos em um restaurante no Horto, bairro próximo à sua casa, um apartamento com vista cinematográfica para a Lagoa, cenário das fotos que estampam essas páginas. A casa é audiovisual. A coisa da sétima arte é questão de DNA. É filha de Arnaldo Jabor, o cineasta, para citar uma das muitas facetas do “cara”. “Sempre me dei bem com o fato de ser filha do Jabor. Nossa relação é sincera. Mas, ironicamente, só fui fazer cinema quando brigamos, uma única vez. Não queria ficar esperando dinheiro do meu pai. Havia uma inquietação de querer tomar conta da minha vida desde cedo.” E lá foi a Carolina, uma menina, atrás de trabalho. “Era o começo da Conspiração. E o Andrucha (Waddington) e o Arthur Fontes, sócios da produtora, resolveram fazer o clipe do meu namorado. Perguntaram se eu queria trabalhar com eles.” E é claro que ela quis. Para além da banda do namorado, pense em Caetano, Gil e outros power names da indústria. Clipes e publicidade, aos montes. Se mudou para São Paulo e caiu nas graças de Fernando Meirelles. “Com ele fiz assistência para publicidade e televisão – Comédia da Vida Privada”. Um dia, o diretor viu a Carolina, livros de referência em mãos, quis saber do que se tratava. “Falei que queria dirigir.” Uma semana depois, o Fernando lhe deu um filme publicitário, na O2. Não só o filme, mas o melhor produtor, o melhor fotógrafo e a equipe toda. “Ele foi de uma generosidade atípica do mundo. Fernando é mestre.”

Ocorre que o Rio de Janeiro recrutou a Carolina outra vez. Ia morar junto com um namorado. “E a Conspiração me chamou”. Era 2007. O primeiro trabalho? Pedro Buarque de Hollanda a convidou para dirigir um especial do Milton Nascimento para a HBO. E ela, do alto dos seus 20 e poucos anos, disse que não queria, que não curtia o cantor. Mas passou o fim de semana seguinte imersa na obra do gênio da música. “Voltei na segunda pra falar que eu estava errada, pura ignorância. Sede de Peixe, com Milton, foi um senhor começo. Momentos de paixão e emoção pelo que estávamos fazendo”, relembra. Outra obra dessas que mexem com o coração é o documentário O Mistério do Samba, parceria dela com Lula Buarque que demorou dez anos para sair do papel. “Tive medo de não concluir. Faltava dinheiro. Mas saiu, e foi lindo”, diz sobre o doc de cenas poéticas que conta a história da Velha Guarda da Portela, visto por mais de 33 mil espectadores, número imponente para uma obra do tipo.

“Durante anos foi um tesão fazer publicidade. Você começa a ganhar dinheiro, algo inédito. E pratica sem parar. Virei profissional.” E virou mesmo, com direito a prêmio e ida à Cannes. Seu expertise? “Cabelos”, diz rindo. “Chegou uma hora que pensei: vou ficar fazendo comercial de sabão em pó a vida toda ou vou fazer uma obra cinematográfica? Já tinha ganhado dinheiro, tinha meu apartamento, grana aplicada. Mas havia um medo de fazer ficção. Vi, na época do Collor, meu pai (e o cinema) se ferrar. Com 50 anos e uma bagagem gigante, ele disse: ‘Tenho 400 dólares na gaveta e este apartamento hipotecado. Vou pra São Paulo, minha filha.” O pai, já um “senhor” cineasta, mudou de profissão para sobreviver. “É difícil fazer cinema no Brasil. É difícil fazer cinema transgredindo as regras do que é vendável e comercial. Até dá, mas também não é a minha história.”

E a história da Carolina, a atual, atende pelo nome de Boa Sorte. O enredo? Um menino que acha que, ao misturar o tarja preta da mãe com refrigerante, some. Resumo rápido de uma trama profunda, que fala de fuga de realidade, de ser invisível aos olhos dos outros, que passa pelo vício, redescobertas, que acaba em amor, sempre em amor. E em sofrimento também. “Não é um filme comercial. A mulher morre. Mas é bonito.” No elenco, Deborah Secco, Fernanda Montenegro, João Pedro Zappa e Felipe Camargo. Outros projetos? “Tem um filme mais comercial para o ano que vem, que pode virar série. Tenho o Cordilheira, baseado no livro do Daniel Galera, para rodar em Buenos Aires em 2014. Quero fazer mais TV. Estamos desenvolvendo uma série pra HBO sobre a Boca do Lixo. Escrever também. E publicidade na paralela, sempre. Antes o diretor de publicidade que ia para ficção era visto com maus olhos. E vice-versa. Mas os tempos mudaram, o mercado é outro.” Ah, e tem um parto no meio do caminho, bom frisar. “Vou colocar uma ilha em casa, editar enquanto amamento. Muita coisa, né? Mas mulher é forte”, encerra, sorrindo com os olhos. Os olhos azuis que ficam mais vibrantes quando fala, com paixão, de Stanley Kubrick, quando diz que ama música, e que não vive sem dançar. Que o Rio de Janeiro continua lindo. E quando lembra do filho João, um menino lindo. Quando fala da gravidez, inesperada, mas muito bem vinda. Do pai, da mãe e dos irmãos. E que, sem dúvida, “prefere a tranquilidade ao caos”. Gosta de ter as rédeas da própria vida, que vai bem, obrigada. E da sorte de um amor tranquilo. Que morre de orgulho do marido, seu parceiro afetivo e profissional. E que não vê a hora de colocar seus mil projetos em prática. A vida está aí pra isso, afinal. Se todas as mulheres são fortes, não sei. Mas que você é, Carolina, não tenho a menor dúvida.

Mais de