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Caetano para RG

Na edição de fevereiro, um papo exclusivo com Caetano Veloso, que decreta: “Não vou morrer”

“NÃO VOU MORRER”

Caetano Veloso fala de morte, vida, sexo, sexualidade, Dilma, amor e música.

Por Jeff  Ares

Caetano Veloso conversou com esta revista.

É porque lançou um novo disco, Abraçaço. Com músicas para contemplar, algumas para cantar junto, outras para ler. Tem ali sua poesia, o lugar mais frio do Rio, o ciúme que é o esterco do amor. Rasgos sob a roqueira sujeira estilística da banda que acompanha Caê desde Cê: um vento bom que misturou à sua musicalidade o que se faz de hip nos anos 2000. Aos 70, Caetano soa fresco. Ora realmente triste, ora totalmente político, de repente dissonante. Sedutor. Ereto.

Aqui, o papo. Por e-mail, vá lá. Respostas de pouco antes da morte de Dona Canô, um símbolo de fé. Caetano preferiu não falar sobre o assunto, e aqui respeitamos. De todo modo, sua mãe está em nossos pensamentos, e em cada vírgula, base forte do homem que é, do artista que se formou, do imortal que esse cara será.

RG: A sua força criativa, o seu sex-appeal, a sua adolescência septuagenária faz dos 70 os novos 50. Como é a vida aos 70?

CV: A vida pode ser boa ou ruim em qualquer idade. Envelhecer tem suas desvantagens próprias, mas a fruição da felicidade possível pode ser plena aos 70 e cheia de impedimentos aos 25.

RG: Você pensa o quê da geração Y?

CV: Que geração é essa? Me lembra a Yoani Sanches, a blogueira cubana que se inclui no Y porque em sua terra há muitas pessoas da geração dela com o nome começando por Y. Gosto de ter sido verbalmente agredido por Fidel Castro junto com Yoani. É só o que sei de Y.

RG: Não te parece, na música, tudo uma releitura, sem frescor, sem invenção? Ou você enxerga a novidade?

CV: Acho que James Blake tem novidade fresca.

RG: A trilogia (dos álbuns Cê, Zii e Zie e Abraçaço) encerra. Como você define este terceiro e último?

CV: Se for uma trilogia, encerra-se aqui. Mas nem disso tenho certeza.

RG: Por que o fetiche da trilogia? Ela te facilitou contar o que, exatamente?

CV: É natural que a trilogia seja uma forma boa de conta.

RG: Moreno seguirá produzindo seus discos, para além dessa trilogia encerrada?

CV: Moreno sempre estará comigo, no que quer que eu faça. De perto ou de longe. Prefiro perto.

RG: Conte-nos do processo da música com o Mauro Lima? O que há de cinematográfico na letra?

CV: Mauro me mandou um e-mail de aniversário faz dois anos. No subject vinha escrito “Parabéns” e no texto, “Tudo mega-bom, giga-bom, tera-bom/ Uma alegria excelsa pra você/ No paraíso astral que começa/ Hehe”. Achei bonito, fiquei emocionado e disse a ele que ia botar música. Ia ser pro disco de Gal, mas só fiz agora.

RG: Você é favorável ao download gratuito?

CV: Não adianta muito não ser. Mas qual será o futuro do direito autoral? A discussão é boa porque traz muito do seu passado, da sua história, da sua relatividade. Mas quando vamos poder arrumar o futuro disso?

RG: Para você, fazer um novo disco é um processo de dor ou prazer? Ou também vaidade?

CV: Tudo isso junto.

RG: O álbum Transa completou 30 anos com um pedido dos fãs: um show ao vivo. Não é cruel recusar um pedido desses?

CV: Não sei se é cruel. Gosto especialmente de Transa. Entendo o interesse que ele desperta nos jovens de agora. Mas não tenho vontade de fazer um show só de músicas dele. Canto algumas em sucessivos shows.

RG: Onde você enxerga, hoje, o legado do movimento tropicalista, 40 anos depois? E o mau/deturpado uso do legado?

CV: O tropicalismo produziu mais consequência do que exerceu influência. Não gosto da sensação de vale-tudo, embora goste da pluralidade de ângulos de visão que veio com o movimento. O interessante é tomar posições que suportem enfrentar a grande diversidade. Quem faz coisa boa e forte usa bem as sugestões tropicalistas ou as negam e desmentem de maneira vital.

RG: Falta psicodelia aos anos 2000?

CV: Não sinto nenhuma falta de psicodelia.

RG: O que você escreveu e não mostrou pra ninguém?

CV: Algumas coisas que não vou mostrar aqui tampouco.

RG: Você canta no chuveiro?

CV: Claro que não. Quando tem água caindo na boca não é bom cantar. Creio que todo mundo canta no banheiro, se enxugando, esperando a banheira encher etc. “No chuveiro” é mais difícil.

RG: O sexo é um fundamento na sua obra. Seu falo é, em boa parte, responsável pelo seu sucesso? É sua fala mais contundente?

CV: Sexo é fundamental. Ponto.

RG: Te preenche o sexo sem amor?

CV: O sexo é um absoluto. Amor sem sexo é que é difícil de imaginar.

RG: Você se reconhece em algum rótulo sexual?

CV: Não. Ou: em todos.

RG: Você bebe, fuma, usa drogas recreativas? Ou escapar não é preciso?

CV: Não bebo, não fumo, não uso droga nenhuma.

RG: Você ora, crê, prega, pragueja?

CV: Me benzo quando o avião vai decolar. Sempre fiz isso. Eu tinha medo de voar. Hoje, não tenho. Mas mantive o hábito. Fui criado em ambiente muito católico. Achei que religião vinha cheia de hipocrisia, querendo desmerecer a alegria da vida. Depois passei a pensar de modo mais complexo. Rezava antes de dormir quando criança. Aos 9, 10 anos, deixei. Meu irmão Roberto dizia: “Se
deita sem rezar, feito um cavalo”. Fiz muitos gestos rituais no candomblé: acho bonito. Somo os números das placas dos carros e deduzo futuros. Tenho superstições
inventadas e reinventadas. Mas não sinto atração por nada sobrenatural.

RG: De onde vem seu comportamento inquieto, indignado? É de casa, é dos pais, é dos livros?

CV: Me considero um cara cordato, “muito bonzinho”, como dizia João Gilberto. Mas, às vezes, me indigno. Não gosto de falsidade nem de injustiça. Não gosto de violência covarde. Minha casa era ultrapacífica. Nunca briguei com meus pais ou irmãos. Meus pais nunca brigavam entre si. Sou mais assim. Mas vejo o mundo. E li muitos livros.

RG: Ainda existe esquerda ou direita? E onde está você na geografia política?

CV: Existe, já que há grupos que assim se denominam mutuamente. Sempre estive perto da esquerda, como meu pai. Mas sou muito crítico para aceitar tiranias centralizadas.

RG: Dilma deve ser reeleita?

CV: Deve, eu não diria. Ela é uma governante simpática. Precisamos ver no que vai dar essa política econômica com ares de desenvolvimentismo antigo. O Brasil precisa crescer, afirmar-se, salvar a África e enaltecer Portugal, dar moral à América Latina e ao Hemisfério Sul. Se Dilma deve continuar, se o PT deve continuar – isso é coisa pequena diante do que me interessa.

RG: Tem fome de quê?

CV: De beleza, paz e felicidade.

RG: Você fez concessões?

CV: Claro.

RG: Você se vira na cozinha?

CV: Em Londres eu cozinhava e lavava os pratos (preferia lavar os pratos, mas minha moqueca de camarão agradava). Meus irmãos todos cozinham bem, eu sou o único que nunca fiz nada na cozinha antes ou depois de Londres. Exceto um ovo mexido, que Vinicius de Moraes me ensinou a fazer e que Tom adora.

RG: Qual a mais recente coisa que te fez chorar?

CV: A exposição de Adriana Varejão no MAM de São Paulo.

RG: A fama é mesmo um monstrinho de pelúcia?

CV: A fama é tão interessante quanto o anonimato.

RG: Você consegue ficar só?

CV: Fico muito só hoje em dia. Às vezes gosto muito. Mas sempre fui de ver muita gente, ter a casa cheia. Gosto das duas coisas.

RG: Você, quando morrer, sabe que vai fazer muita gente chorar?

CV: Sempre soube disso. A gente cresce vendo pessoas da família morrerem e todos chorarem. Minha família era enorme. Pessoas morreram na minha casa desde que eu tinha 9 anos de idade. Mas nunca penso no assunto quando se trata de mim. Não vou morrer. Não quero que ninguém chore.

RG: O que há de infinito em você?

CV: Cada um de nós é infinito. É o infinito preso no finito (como Mangabeira Unger gosta de repetir).

RG: O que há de terrível em Caetano Veloso?

CV: Não sei. Às vezes acho tudo terrível. Temo ser eu mesmo algo terrível. Mas passa.

RG: Fale uma coisa bonita? Ou feia, até (e por favor).

CV: Não (essa é ou não é uma coisa feia?).

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