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Um papo com Marina Lima

A cantora lança seu primeiro livro, “Maneira de Ser”. Confissões de uma vida rock´n´roll

A cantora, por ora escritora, sempre poeta, lança nesta quarta-feira (07.11) seu primeiro livro, Maneira de Ser, a partir das 19h na livraria Cultua do Conjunto Nacional. Aqui, o papo de Marina Lima e RG para a edição de novembro da revista, que já está nas bancas!

por Jeff Ares

Marina passou por seus 33 anos de carreira topando todas. Chegou no clímax com um chamado: escrever. Maneira de Ser, que chega este mês às livrarias pela editora Língua Geral, é um compêndio de pensamentos, passagens, declarações de amor e dor e sua discografia. “Não é uma biografia”, afirma, assertiva, virgem que é. Os registros são autobiográficos, mas sem começo, meio e fim. É um passeio livre, confissões ao pé do ouvido, sem calendários. “Não gosto de datas. Gosto de números. De equações.” Marina é obra aberta.

“Não vou abandonar nunca a música”, adverte. No último ano, cumpriu a agenda de shows, mas seu tesão criativo estava no texto. “Agora entendo melhor o Chico, quando fala que, ao escrever um livro, não pensa em música, e quando compõe música, não pensa em livro. Ia passear no Ibirapuera com os meus bichos e escrevia.” O Ibirapuera é a Ipanema desse tempo, mudança para quem cantou a solidão com vista pro mar. “São Paulo me possibilitou fazer este livro. As pessoas no Rio acreditam demais no que elas veem. É muita vista pra fora. É o mar, a cidade linda… São Paulo tem vista pra dentro. Eu precisava disso. Eu fico muito quieta aqui. Estava tentando meio que reconstruir as coisas a partir de agora, de uma outra maneira, e a cidade me deu essa possibilidade.” Distanciamento que a deixou confortável para reencontrar um relicário rock’n’roll. Olha pra trás, mira adiante. “Não devo mais nada, tô em dia com a vida.”

“Essa é a capa”, mostra, puta orgulho. No computador, um PDF azul-escuro, só o título, o nome dela. Imagens fortes ali dentro. “Alguns textos remetem a títulos de canções minhas. Como ‘Criança’.” Gancho para falar de infância. “Aprendi a ter de lidar com solidão e angústia quando era pequena. Tinha uma ligação muito forte com o mar, vivia nele. E o mar é um organismo vivo… Meu pai era funcionário de um banco internacional com sede em Washington. Mudamos para lá. E não tinha o mar… Quando cheguei, nevava. Fiquei oito anos, vivendo o oposto. Isso caracterizou muito minha personalidade.” Seis meses depois, ganhou um violão, abrigo.

Fez-se a música. No livro, tem o palco, ela com os amigos da cena, a relação com Cícero, o irmão poeta e parceiro. Tem um manifesto contra a caretice que saiu no disco Fullgás. “Coisas do passado, drops sobre várias pessoas, Renato Russo, Suba…” Uma entrevista com Björk. E a discografia, organizada em encontros com Zé Pedro. “Eu falando da minha obra, situando os trabalhos.” Uma análise do artista, como se fosse uma crítica… “Enfrentar ainda causa tanto medo. Mas fugir é bem pior”, pontua. “Tem uma coisa sobre voz. Conto sobre um período em que eu cancelei vários shows. Um tempo em que eu fiquei cansada, fiquei mal… Teve uma hora em que eu não sabia tanto se cantar era o meu barato, por isso que eu tive uma crise toda, em 96. Por isso mudei para São Paulo, queria mudar desde 98, o que me possibilitou a tal reinvenção.” Ela se expõe. E nada fica nas entrelinhas. “Sempre fiz isso, meu trabalho sempre foi pra isso.”

Marina é pra frente, liberou uma geração pro amor e pro  sexo. No livro, faz seu statement sobre a causa gay. Também fala de homens pra chamar de seus. “Eu já queria ser Seu Jorge.” Fala de Playboy. Posou nua porque o analista mandou. “E foi muito bom. Fiquei com depressão uma época, não conseguia me relacionar, fui pra um outro lugar, completamente pra dentro. A ideia da Playboy fez um bem danado pro ego. Comecei a ser paquerada por executivos de Curitiba, por exemplo… (risos)”. Tá nua no livro também, numa polaroide feita pelo Murillo Meirelles, ainda novinha, ao lado de um poema da Hilda Hirst.  E tem com roupa, num ensaio com looks da Chanel, para o Caderno Ela do jornal O Globo, 1985. “Adoro moda.” Ela escreve sobre cabelo liso e cabelo crespo: “Mudar os cabelos é expressão da minha liberdade. Minha mãe ficava louca!”. Ela também relata uma crítica da jornalista Erika Palomino, que desancou o paletó dourado que ela usou num show. “Eu gostei daquilo, tanto é que a gente ficou amiga”, diverte-se. Tem mais sobre a verve fashionista: “Costanza mudou minha ideia de moda quando a vi no aeroporto com um sapato branco de verniz sem salto. Quero envelhecer achando uma média entre a Fernanda Montenegro e a Costanza”.

Que mais, hein? “Tem os bichos, tem uma coisa que eu comecei a escrever pra eles. Tem um negócio da cabala. Minha relação com internet, que é tão presente na minha vida. Tem uma carta que eu escrevi para minha mãe. Um poema que o Haroldo de Campos fez pra mim, um artigo do Caio Fernando Abreu.” Tem impressões sobre seus dois grandes amigos, Cao Albuquerque e o Candé Salles. E também sobre a Célia, que trabalha há anos em sua casa. Ela escreve sobre cenas cotidianas que resultam epifanias. “Opiniões sobre os assuntos que me interessam. Uma coisa da maconha, que eu acho que tinha de liberar.” E uma briga com a poluição de São Paulo. “Me agride. A vida inteira investi muito em saúde. Ninguém vê o ar, é pouco caso. Um cachorro meu já morreu, outro está doente. Eu vim pra cá querendo ficar o resto da minha vida. Mas não sei se vou aguentar. Eu não quero morrer 20 anos antes.” Registros no íntimo. “Pras pessoas terem uma ideia de como está a minha vida hoje.” E como anda? “Tenho coisas que me fazem companhia, não sofro de solidão, tem muita coisa que me estimula, muitos amores, amizades, interesses, livros, músicas, lembranças… Perdi meu pai e minha mãe, sobrou eu e o Cícero, mas eu não tenho tristeza, tenho tanta lembrança boa que me enriquece… São essas coisas que me alimentam. E criar, música…” Tá escrito.

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