500 almas com uma flechada só. Fabio Assunção estreia nesta quinta-feira, no Tuca Arena, como diretor com a peça O Expresso do Pôr do Sol. E divide com RG as agruras e delícias desse novo papel. A matéria escrita por ele está na edição de setembro de RG, com Carolina Ferraz na capa, já nas bancas. Mas você pode ler primeiro aqui. Com a palavra, Fabio.
Por Fabio Assunção
“Dirigir e produzir uma peça é fazer escolhas o tempo todo. A primeira, e talvez a mais difícil delas, o texto. Num universo de clássicos, autores consagrados, novos dramaturgos, textos realistas, essa escolha determina todo o resto. Ele pode ser bom, belo, compacto, mas se não disser nada sobre a natureza de quem irá assistir, de que serve? E quem será a plateia? Como definir uma sociedade que avança simultaneamente em direções tão opostas? Como atingir um alvo se ele se apresenta multifacetado à nossa frente? Como acertar 500 almas com uma flechada só?
Há quem diga que não produz sua arte para o público. Essa arrogância artística não me faria andar um passo sequer. Minha recompensa não pode ser menos que uma catarse e requer um mínimo de investigação sobre o homem contemporâneo. Meu alvo. No mundo das celebridades, quem leva a flechada é o famoso. No teatro, é o público.
Invertidas as posições, começa o quebra-cabeça que, como tal, pede atenção, paciência, precisão, foco e habilidade. Encontrar parceiros não é uma tarefa fácil. Mostrar que a obra em si é suficiente para um diretor de marketing investir o dinheiro de uma empresa é uma missão cada vez mais complexa. Crescimento do país? Cultura? Teatro? Três coisas tão chatas quando a festinha é tão mais legal! Os condomínios fechados da internet nos afastam uns dos outros com a ilusão de que nunca estivemos tão próximos, apenas com um simples clique.
Fazer teatro é resistência. Um lugar para poucos, embora oferecido a todos. Conquistados os parceiros, produção estruturada, começa um mergulho numa tela em branco e novas escolhas são feitas. Quem criará a luz, além do poder superior, claro. Quem desenhará o figurino dos atores, a arte, o cenário, a trilha sonora? Cada um chega com sua personalidade, contribuindo com o que sente e conhece. Dirigir é estimular cada um deles a criar, dar um norte e fazê-los conversar harmonicamente entre si. É criar um ecossistema que avance num mesmo objetivo, nosso alvo.
A luz pode funcionar como cenário, desenhando as paredes de um lugar imaginário, ela pode jogar todo o foco num ponto como se fosse uma teleobjetiva em close, ela pode engrandecer ou reduzir. Ela traz beleza. A trilha sonora toca no fundo do peito, encaminha os sentimentos. O cenário situa e conceitua. Então, a escolha maior, os atores. Atores são figuras imprevisíveis e o que todos têm em comum é que temos de ter paciência com eles e estratégia. É o frágil forte, o elo invisível mais sólido, o cordão umbilical entre a obra e nosso alvo. Dirigir um ator tem se revelado para mim um lugar privilegiado na plateia íntima dos ensaios. Ver a personagem aparecendo, ganhando forma e nascendo da complexidade da vida de seus intérpretes. Eu não poderia ter tido mais sorte nas duas escolhas que fiz, Cacá Amaral e Guilherme Sant’Anna. Agora é decidir entre a vida e a morte (tema central da peça), entre o futuro e O Expresso do Pôr do Sol. E, às vésperas da estreia, após todas as escolhas terem sido feitas, resta apenas nosso alvo, o público, nos escolher. A escolha é sua. A flecha está engatada.”