Uma das grandes estrelas da TV GLOBO reluz por trás das câmeras. RG apresenta Amora Mautner, a diretora-geral da novela das nove, que aqui revela seus planos, inclusive os cinematográficos. Matéria da edição de maio de RG, com foto de Paulo Vainer, edição de moda de Luis Fiod (Mint) e beleza de Jayme Vasconcellos. Na íntegra, vem!
Por Jeff Ares
“Amora é o feminino de amor”, explica a dona do nome, dado por seu pai, o genial Jorge Mautner. “Sou muito fã do meu pai para admitir que tenha herdado algo dele”, tergiversa, econômica em autoelogios. Nós aqui podemos fazer este papel. Hoje, Amora Mautner não vive do aposto, apesar do orgulho de ser filha de quem é. A loira de olhos lancinantes é uma das grandes forças da TV Globo, um sopro de novidade na mais importante emissora do país. Há coisa de 10 anos, ela foi contratada como assistente de direção, fez novelas e minisséries, até conquistar a direção-geral de Cama de Gato, novela de 2009. Pulo do gato? Ainda não. Ele viria dois anos depois, quando estreou Cordel Encantado, uma novela das seis horas, de época, que experimentaria um novo “look”, como ela define, “o 24 quadros, uma textura mais próxima do cinema, uma conquista minha e do (diretor de núcleo) Ricardo Waddington, que possibilitou essa mudança junto à empresa.” Cordel entrou para o panteão de grandes novelas da Globo por aproximar-se, pioneira, de uma linguagem cinematográfica, uma mudança sutil no tempo de cada frame, no posicionamento das câmeras, nos enquadramentos variados, no cuidado extremo com a iluminação. Uma transformação sensível, que causa uma certa estranheza, e portanto temerária. “A Globo tinha dúvidas se o público ia reagir bem ou não, o que é normal. Cordel virou um sucesso, e abriu um precedente, virou um padrão, uma jurisprudência. Mas se não tivesse dado certo na novela, nunca mais ninguém faria 24 quadros.” A coisa deu tão certo que chegou ao horário nobre, ao principal produto da emissora. No ar, Avenida Brasil segue o look proposto por Amora, sua diretora geral. Não por acaso, a novela tem somado números expressivos no Ibope, e o reconhecimento geral, da crítica e do público, de que trata-se de um turning point na história do folhetim, essa instituição da cultura brasileira.
Mas não é apenas na forma que reluz o brilho de Amora. “Sou extremamente ligada em estética, e nunca deixarei de ser. Mas era fundamentalmente isso que me movia. Consegui fazer assim, bem feito e por muito tempo e com repercussão pra mim. De 5 anos pra cá, o que me move é o afeto, é dirigir o ator, contar história; é a dramaturgia. Hoje em dia, eu consigo até abdicar da estética em nome da emoção; eu sofria quando eu tinha que abrir mão de um plano lindo, de um landscape, para dar um close num ator. Hoje em dia é o contrário: eu sofro quando tenho que abrir mão de um close pra dar um geral lindo. Mudei muito.” A mudança veio daqueles momentos de dúvida que a gente tem, no meio do caminho. “Comecei a ter uma angústia de querer fazer cinema, de querer fazer teatro, mas eu não queria deixar de fazer o que eu faço, eu adoro fazer novela, eu adoro fazer minissérie; o que eu tenho aqui de mais precioso é esse day by day com os atores, é com eles que mais aprendo. No meio disso tudo, dessa angústia, nitidamente produtiva, eu comecei a ler coisas e estudar de novo. Aí li esse livro do (cineasta americano) John Cassavetes sobre interpretação de atores. Ele começa detonando o Actors Studio, e depois ele explica brilhantemente a diferença entre o método do Actors Studio e o que ele considera uma boa atuação. Basicamente, o que importa é a energia. Se você vai para o set fechado, pronto, essa energia não flui. Fica você pronto, um ator pronto, simplesmente você organiza tecnicamente aquilo, a câmera é aqui, a luz é aqui, o ator te obedece, cada um faz o seu; você é um maestro, aquela banda toca, pragmática. O que o Cassavetes diz é que isso é uma merda, e eu concordo com ele. Você deve chegar num set aberto, com sua energia aberta, sua intuição de artista aberta, e todos os atores devem ter esse pacto com você, apenas tendo lido a cena, e com confiança. É preciso que haja confiança no diretor para que juntos, sem nada pré-pensado, todos façam aquilo acontecer, organicamente. Eu ia pro set com tudo pronto dentro da minha cabeça. Desde Cama de Gato e Cordel eu faço totalmente diferente. Eu leio a cena, entendo ela como um sentimento e vou pro set livre, deixo acontecer na hora. Meu pai tem uma frase maravilhosa que diz ‘Na prática a teoria é outra’. Eu adotei isso realmente”.
E haja disposição para tomar as rédeas de um processo desses, que envolve um orçamento altíssimo, com expectativas igualmente tremendas, sob a diária pressão do sucesso de audiência, do êxito comercial. Azougue, Amora parece tirar de letra. No set que armamos para essa seção de fotos, ela deixou transparecer quem é, intensa, irrefreável. Uma energia que vem de onde? “A minha vem de mim, ué. Eu tenho muita, sou explosiva, desde sempre, o tempo inteiro.” E o que fazer quando as pessoas não estão assim, conectadas? “Vai na marra.” O pulso é firme, e fatalmente mete medo. As pessoas têm medo de você? “Acho que eu sou exigente, tem gente que deve sentir medo né… mas tem gente que tem medo de tudo…” E se defende: “Eu não sou nada maternal, mas sou muito afetuosa, o afeto está em mim. Eu elogio muito, estimulo muito, as pessoas gostam muito porque eu dou chance pra elas trabalharem artisticamente. Por exemplo, tem um contra-regra que eu amo, o Edinho, ele diz ‘Eu amo trabalhar com você’, porque ele supostamente não deveria dar palpite em nada, só levar e trazer o celular. Eu trabalho em equipe, de verdade dou valor igual ao contra-regra, ao cenógrafo, ao diretor de núcleo. Isso tem me dado uma resposta muito maior do que a que eu tinha, tem me dado um prazer enorme, porque eu não faço sozinha, faço junto com os atores e eu percebo que eles têm mais prazer de trabalhar comigo do que eles tinham antigamente… é um namoro, é um tesão, as coisas fluem… e rola e rola e rola e, quando vai ao ar, a energia é viva”.
O interesse pelo trabalho do ator esbarra numa passagem curiosa da carreira de Amora. Ela renega, mas já foi atriz. “Essa carreira nunca existiu. Eu ignoro-a. Não era eu. Sou a única pessoa que foi praticamente obrigada a ser atriz. Aconteceu por acaso, eu era muito jovem, andava com a Preta (Gil) e com a Carol (Jabor), filhas de artistas, as pessoas nos ofereciam… E aí, quer ser atriz, quer fazer um teste? Aí acabou que eu fui, com 14 anos. Eu odiei. Fiz (a novela) Vamp. Eu nem lembro o meu nome, só lembro que era filha da Zezé Polessa e do Paulo José. E eu era tão metida que, na primeira semana de gravação, eu liguei pro Antonio Calmon, que era o autor da novela. Falei: ‘Querido, eu queria morrer, queria que você me matasse na novela’. Muito abusada! Mas foram os piores momentos da minha vida. Engordei 10 quilos de depressão, foi horroroso, nunca me senti tão mal na minha vida, tenho lembranças pavorosas. Me incomodava tudo, absolutamente tudo, do início ao fim, do figurino, a estar ali, exposta, não mandando, não decidindo as coisas, sendo passiva, tendo que expor sentimentos que não são meus… Eu não gosto, eu não sou atriz… ou a pessoa é ou não é… tem vários tipos de ator, eu não me encaixo em nenhum deles…”
O grande personagem de Amora, pois, é ela mesma. “Sim, tive muitas vidas”, ela concorda. Numa delas, foi mulher do ator Marcos Palmeira, com que tem uma filha, “minha maior epifania”. Noutra vida, usou os cabelos naturalmente escuros, descoloridos nas pontas. Hoje é louraça Lúcifer gostosona, uma gata de entortar pescoços. Oficialmente, o status é de moça solteira. O espírito é rock ‘n ‘roll – foi ele, inclusive, que pautou essas imagens, Balmain podrinha rocker style. Mas, alto lá, Amora é tudo, menos óbvia. É punk, mas religiosa. “Sou bem católica, rezo toda noite, acredito em Deus, totalmente em Deus”. Nele, fia o seu futuro. Mas sem deixar de mexer os seus pauzinhos. Os planos ela tem traçados, exatamente. “Depois de Avenida Brasil, vou fazer uma novela das seis. Depois tem um projetão em conversação, As Mil e Uma Noites. Estamos decidindo o formato, e se vamos atualizar a história ou fazer uma coisa de época. Só penso nisso, acordo com as imagens na minha cabeça”. Quer mais uma vida de Amora? “Quero muito fazer cinema. Daqui a dois anos. Um primeiro filme de emoção, como os do cinema argentino, que tem o que o cinema americano menos tem: histórias íntimas, um bom texto e bons atores. E pouco dinheiro de produção. Porque o que mais importa é o afeto.” Com amor, é Amora.