A RG 116 acabou de sair das bancas, mas você ainda pode ler, na íntegra aqui, o delicioso texto de nosso diretor Jeff Ares sobre a atriz Cleo Pires, musa da capa de maio. #vemgente!
Cleo Pires sempre aparece na nossa reunião de pauta. Chega de repente, sempre com alguém diferente. Causa alvoroço. Euforia. Suscita comentários. Todo mundo se acha meio íntimo dela, sabe dumas histórias, a viu não sei onde, leu não sei o quê. Popular, a Cleo. Sua mais recente aparição por esta redação foi nestas fotografias, que reproduzimos aqui. Deslumbrante, até suja de terra… Ana Terra. Cleo encarnará no cinema a heroína de Erico Verissimo no filme de Jayme Monjardim, inspirado em O Continente, o primeiro dos três livros do épico O Tempo e o Vento. Um grande papel, um momento importante. Hora certa de nos dar a honra, em nossas páginas. Eis a primeira entrevista de Cleo sobre o filme, uma conversa sobre trabalho que virou papo solto, do existencialismo aos vícios, passando por astrologia e Cousteau. A encontramos falante, otimista, com os caminhos abertos, outros já percorridos. Uma mulher de se compartilhar com o planeta, esses olhos profundos, a boca cheia de vontades. Do tipo coração selvagem. Não se prende uma moça assim, conquista-se. No momento, ela é nossa. A dividimos apenas com o namorado de três anos, um sujeito boa-praça. E grande, o que inspira cautela. Bem, por ora, o cara não vê problema na nossa relação – contanto que siga assim, meio platônica.
Seu telefone tocou em Bagé, no Rio Grande do Sul, onde estava filmando. Absorta em espíritos seculares, ela nos atendeu. Passava das 9 da noite, uns minutos. “Oi, acabei de chegar na pousada. Tomei banho, estava há cinco dias sem lavar a cabeça”, saudou Cléo, precisando dividir. Os cabelos assim, desgrenhados, são parte dos sacrifícios femininos para a composição da personagem, moça de um tempo distante, sem xampu. Não bastasse essa desgraça, ela sofre tremendamente. “Ontem filmei o estupro, hoje a morte da família, o enterro do pai e do irmão. Totalmente esquizofrênico. Mas eu gosto”, frisou, totalmente convicta. Mas ela já teve suas dúvidas. Confessou que já pensou em parar. “Fiquei mais ou menos um ano sem atuar, tirei um sabático. Isso foi há uns cinco anos, depois de uma novela. Fiquei em Goiânia com uma amiga minha, que tinha uma empresa de artesanato, fiquei ajudando a fazer… Na época, eu achei que tinha caído nisso (de ser atriz) de paraquedas. Não entendia o lugar disso na minha vida, não achava que era uma coisa que eu amava. Não queria fazer só por dinheiro.” Bravura, porque naquele tempo ela já era famosa, bem famosa. “Nesse sabático eu descobri que o dinheiro era uma consequência maravilhosa, mas que não era por ele que eu estava fazendo o meu trabalho. Precisei parar para saber o quanto atuar era essencial para a minha vida, o quão rico o meu mundo ficava.”
Ana Terra é um arquétipo da literatura brasileira, um papel e tanto para Cleo. Que guarda um dado curioso: sua mãe, Glória Pires, o interpretou há 27 anos, em 1985, numa minissérie da TV Globo, de estrondoso sucesso. “Deve ser muito emocionante você ver a sua filha fazendo um papel que já foi seu, é quase uma coisa de levar o gene adiante.” Palpites maternos? “Ela é a melhor atriz do Brasil, não é boba nem nada, entende o quanto de envolvimento emocional existe nisso, e que não é bacana dar palpite. Ela sempre foi muito respeitosa. E eu nunca gostei de ninguém se metendo na minha vida, então funciona muito bem”, pontua Cléo. Ela respira forte, impregnada por Ana Terra. “Pra mim, ela é minha, não é do Erico Verissimo”, solta, para depois se arrepender um pouquinho: “Mas não quero que isso soe mal”. Não soou. É de se entender, trata-se de um personagem que, com o perdão da futurologia, deve alçar a atriz a outro patamar. “Detesto esses clichês, não consigo pensar assim, ‘o grande personagem da sua carreira’… Não tem maior importância, só tem uma importância diferente”, analisa, esquivando-se da pressão. “A essência dela é a força de vida, essa superação dos limites, um desejo de querer mais, de buscar o mundo, de se livrar das regras impostas pela família. Na minha visão, ela tinha todo esse desejo latente, mas não sabia por onde começar…. Quando essas tragédias todas acontecem, é quase uma motivação, a vida mostrando um caminho para sair dali. Claro que com dor, ela é uma sobrevivente…” Cleo leu a obra de Verissimo bem nova. “Na escola, na época em que todos leem, não lembrava direito. Comecei a reler depois de estudar o roteiro pra ver se tinha a ver com os subtextos que eu estava criando; não sei se eu guardei na memória, mas tinha muita coisa ali.” Um processo intuitivo que ela desenvolveu desde cedo. “Não sei que tipo de memória é essa que eu tenho, mas tenho me lembrado de umas coisas tão antigas, ontem me lembrei que, quando eu era menor, eu gostava de recriar certas cenas de filmes na minha vida, quase de uma forma calculista. Tipo, assistia Velocidade Máxima e me colocava em situações aventureiras… Já queria ser atriz, né.” Em determinada época, essa noção se perdeu. “Quando eu era atriz por estar, eu achava tudo isso de entrar no personagem uma palhaçada, um mico, nossa que prego! Hoje em dia, eu entro muito fundo, muito reto nos personagens, nas histórias, acredito muito em direcionar a energia, em algum tipo de espiritualidade nessa relação. Quero alargar a minha pele.”
Cleo está completando 10 anos de carreira. Tem festa? “A festa é todo dia.” Em casa, com o namorado. “A gente gosta de beber vinho e jogar pôquer, sozinhos. Gosto de ficar no meu canto, do meu jeito.” Vida de casada… Vai oficializar no papel, carregar um buquê? “Casar não é uma preocupação do casal, acho que não é o que mantém duas pessoas. Moramos juntos, dividimos as coisas, a gente se ama, acho que isso é muito mais importante do que dizer ‘eu sou casada’. Mas, acho que sim, em algum momento vamos fazer uma cerimônia nossa. Mas fica tranquilo, não vai acontecer antes de a matéria sair”, promete. Vamos monitorar, inevitavelmente: sua vida pessoal, vira e mexe, é assunto na imprensa. Muita coisa já foi dita, inclusive as desagradáveis. “Já me afetou muito, já me senti bastante invadida. Hoje tenho uma visão diferente, acho importante você se colocar. Há seis anos, se eu estivesse dando esta entrevista, pensaria, ‘Meu Deus, por que eu tenho que falar da personagem?’. Hoje em dia eu sei que tenho o dever.”
De uns tempos pra cá, outro dever tem ocupado a sua vida. Ela é embaixadora da Hidroex, uma organização ligada à Unesco que contribui para o uso sustentável da água em comunidades ribeirinhas, rurais e urbanas. “Entrei em muitos buracos na minha vida. Quando saí pra vida, fui encontrando coisas muito rasas, que me deixavam deprimida. Estava num processo de descobrir quem eu era na vida e as coisas do mundo me afetavam. Aí teve aquele desastre no sul, eu ficava noites sem dormir, pensando em fazer alguma coisa, em agir de alguma forma. Fiquei sabendo de um abrigo em Ilhota, fui até lá, mas eu não tinha estrutura para ajudar. Vi um desamparo geral, um senhor de 66 anos tirando lama da casa dele… Nesse momento um amigo me falou da Hidroex; me envolvi com o trabalho, num nível mais humano. Com isso, percebi que tem coisas muito piores na vida. Quero entender mais, aprender mais e tentar fazer essa integração entre a questão das águas e do desenvolvimento humano.” Um de seus projetos é viabilizar a instalação de um museu de Jacques Cousteau no Rio. “Já conversei com o Eduardo Paes, é importante trazer esse conhecimento, o país está crescendo, mas não podemos apenas ser economicamente ricos.”
O irrefreável de Cleo pode ter respostas astrais. Segundo o último mapa astral que fez, em Los Angeles, é “libriana, com Lua em Áries e cinco planetas em Escorpião… O que você me diz sobre isso? Eu não sei, a astróloga só me confundiu mais”, ri. “Mas acho que a minha intensidade, de viver e morrer as coisas, é bem escorpiana.” Irrefreável, mas com um bom tino para o autocontrole: “Tenho uma personalidade adicta, fico viciada em sensações, sentimentos, vou explodindo em vários deles para não virar uma adicta séria. Sou de uma família de artistas, mas bem careta”, manda avisar, para depois assumir um vício: o Instagram. “Eu usava há um tempo, mas achava ridículo, meio brega… Mas agora tô muito viciada, adoro foto!” Até nua, né… Fez Playboy, foi um estrondo. “Teve uma época em que eu tinha pavor de ser sexy. Quando saí dessa fase, fiquei muito à vontade. Acho bonita a sexualidade, acho bonito ser sexy. Quando fiz a Playboy, eu estava no controle de tudo, foi confortável.” Fará de novo? “Hoje em dia não sinto a menor vontade.”
Fato é que a nudez impressa numa revista não parece combinar mais com quem ela é hoje, aos 29 anos, seriamente dedicada à profissão. Estrela de primeiríssima grandeza no panteão das jovens atrizes, ela se prepara para um papel de vulto, na próxima novela das nove horas, Salve Jorge, de Gloria Perez, que em outubro sucederá Avenida Brasil. “Uma brasileira que mora nos Estados Unidos há um tempo; ela começa a novela fazendo uma festa de ‘descasamento’. Vai para a Turquia, vira uma dançarina e se apaixona por um turco.” Vai dançar, a Cleo… só falta cantar. Opa, peraí: “Não canto que nem meu pai, mas eu canto. Gosto de rock’n’roll. Até tive uma banda, a Seedless, Era bem adolescente, eu era a única mulher, cantava uns covers do Nirvana, do Pearl Jam… Era pós-grunge”. Vai ter revival? “Acho que não. Mas, se eu voltar, o furo é seu.”
Música para os nossos ouvidos, rock estrela.