Os 50 anos de carreira de Paulo Cesar Pereio ganham – finalmente, e por iniciativa do proprio – programacao especial. O ator sobe ao palco do teatro do Sesc Paulista no mes de outubro para encenar uma livre adaptacao de Escuta, Ze Ninguem, texto do austriaco Wilhelm Reich (1897-1957), um dos mais controvertidos personagens da Psicologia. Professor, sexologo, psicoterapeuta, Reich foi severamente combatido por suas teorias, em especial sua visao absolutamente liberta da sexualidade – o orgasmo foi seu grande objeto de estudo, em especial a energia que emana, o “orgonio”, que ele considerava uma forca vital. Pense nessas ideias no comeco do seculo. O profano, o horror.
Polemico, Reich foi acusado de charlatanismo, perseguido pelos nazistas, pelos democratas americanos, pelos pscicanalistas comunistas. Todos os “poderes” rechacaram suas ideias. E contra eles, e seus homens, que o autor brada em Escuta, Ze Ninguem, um sermao contra a mediocridade. Pereio conectou. Decidiu adaptar o texto para estes tempos, esse pais, numa “reflexao sobre a hipocrisia, as pequenas surrealidades”, conta Joao Velho, filho do ator, que divide com o pai o tablado – pela primeira vez, diga-se. “O texto lembra as pessoas de que nao e bem assim, voce nao pode aceitar tudo…”, defende. Espere ouvir sobre Lula, Sarney e outras figuras alegoricas deste varonil porto.
Pereio e Velho ja estao nas leituras. Aqui, a peca ganha a alcunha de Escuta, Ze Mane, sob a direcao de Lenerson Polonini. E um personagem feminino, cuja atriz esta no gatilho. Ah, e quem produz e Lara Velho, filha de Pereio. Tudo em familia, zona de conforto para o mais desconfortavel dos icones cult, o verborragico-boemio-turrao-ironico que personifica a historia cinema nacional, mais de 60 longas depois.
Os 50 de carreira dele, alias, ganham, ao lado da peca, uma mostra comemorativa de filmes. E uma exposicao de textos, desenhos e memorias do unico homem que ganhou a honra de falar “porra” (perdao) socialmente.