Pintando o set
RG bateu um papo com o artista plastico Vik Muniz, que ataca mais uma vez de DJ – ele tocou no bar secreto nesse sabado, numa cobertura exclusivissima deste site. Vik volta as pick ups esta noite (02.06) no Londra, no Fasano Rio. Serao apenas 150 convidados na festa oferecida pela Absolut Vodka e Mastercard Black, escolhidos a dedo pela PR Paula Bezerra de Mello. Ex-frequentador voraz da noite nova-iorquina do inicio dos anos 80, ele narra aqueles tempos loucos, em que abria os show de Edwige, do Mathematiques Modernes, de arte e crise financeira, de seu sucesso no Facebook e otras cositas mas.
Uma curiosidade: depois do sucesso retumbante das exposicoes que atrairam mais de 150 mil pessoas no Rio e em Sao Paulo, Vik se mantem incansavel: vai lancar um catalogo raisonne no fim do ano, um livro infantil, Melquior, o mais melhor, com texto de sua autoria e ilustracoes de Adriana Calcanhoto e uma exposicao em Beijing e Hong Kong. Em 2010, abre em Nova Iorque, onde mora, o Muderno, um boteco com petiscos brasileiros em parceira com o chef Daniel Boulud. Se tudo der certo, a casa vira para Sao Paulo.
Cereja do bolo: Vik ja escolheu um nickname para suas incursoes como DJ – Boy da Carrapeta.
– Como foi seu contato com a noite?
Trabalhei de bartender em Nova Iorque, no comeco do Palladium (boate que fazia muito sucesso nos anos 80). Todo mundo ia la, de Andy Warhol a David Bowie. Foi a minha melhor epoca na cidade: trabalhava tres noites por semana, pagava o aluguel e voltava para casa com uum bolo de dinheiro no bolso.
– Voce encontra hoje em dia algum cliente que tenha sido servido por voce no Palladium?
– Nao, esta tudo morto (risos). Era uma epoca bem louca. Quando eu bebia, terminava a noite sempre no Las Cuelitas, que era a sarjeta mesmo, um bar de travestis porto-riquenhos. As paredes eram iguais as do Londra, so que forradas de fotonovelas ao inves desses discos (risos), cheias de luzinhas de Natal. Hoje em dia esta tudo com formica, luminaria, estragaram tudo. O legal e que era chulo, horrivel. Tinha um lugar que se chamava HBC, que era completamente ilegal, um porao. A primeira vez que eu fui achava que era gelo seco, mas era poeira mesmo. Voce voltava para casa marrom de sujeira. Eu era amigo de um cara, Fernando Natalite, que faz ate hoje a mesma coisa: filipetas, flyers, anuncios de shows e casas noturnas. As bandas que nasciam iam la para fazer retrato, filipeta, e o estudio dele nao parava. Eu fazia uns bicos.
– A noite encaretou?
– Demais, eu nem saio mais. Ou sera que fui eu que encaretei? Tudo ficou muito institucionalizado. Quando cheguei a Nova Iorque, em 81,82, nao tinha controle de nada, a cidade estava falida, era uma delicia. Nao tinha nem policia. Morava no lugar mais barulhento do mundo, num loft que pagava 300 dolares por mes, a uma quadra do Corpo de Bombeiros, duas quadras da policia, duas do hospital e em cima da linha de trem. Quando o metro passava, todos os alarmes de casa tocavam. Eu lembro que minha ex-mulher, mae do meu filho, me levou para passar o fim de semana no campo, fiquei tenso esperando um barulho acontecer.
– O que o publico vai ouvir vai trazer um pouco dessas referencias?
– Sem duvida. Nessa epoca, eu saia toda noite. Era uma epoca em que a noite era desorganizada, boates em porao, nao tinha licenca de bebidas. As galerias de arte brotavam ao mesmo tempo. Era epoca de crise. O pessoal fala tanto de crise hoje em dia, que eu digo que vivi aquela e foi muito legal. Mas isso nao vai acontecer de novo em Nova Iorque, porque o que faz ficar legal e os alugueis cairem e a cidade ter um perfil alternativo. Isso esta acontecendo com Berlim hoje em dia. Eu tenho vontade de ter um lugar la para participar disso tambem.
– E agora tem um novo lugar no Rio (um apartamento na Vieira Souto, em Ipanema).
– Ja tenho no Rio ha mais de 10 anos. E tambem na Bocaina de Minas.
– E uma coisa meio ufo, duendes?
– Nao tem nao. O povo vai a fazenda nessa onda de energia, ioga, mas, se aparecer um disco voador, eu pego minha espingarda e derrubo (risos).
– Voce ja tocou como DJ?
– Eu me lembro que tinha uma noite no porao do Area (outra boate da epoca em NY), que a gente tocava depois de um cara que se chamava Tango Bidet e tocava sanfona e a Grande Edwige, uma menina linda, que tinha a banda Mathematiques Modernes. Era junkie e foi ficando cada vez menos linda. Ela fazia bico para comprar a droga dela. Era uma epoca de muita droga. A gente era tocador de musicas, trocava os discos, tocava Emilinha Borba, Maria Alcina, Milton Nascimento, Cauby Peixoto. Sabe aquela? “Luz azul de um abajur…” . A Maria Alcina ja foi ao Las Cuelitas. Teve uma briga de porrada, ela se escondeu embaixo da mesa e ficou bebendo.
– As drogas pegaram voce?
– Eu sempre fui muito careta. Eu sou a caixa preta disso tudo, uma especie de cronista mudo. Eu ficava observando o que estava acontecendo como se estivesse num cinema. Bebia pouco, nunca cheirei, nunca fiz nada. Experimentava as coisas e largava de mao. Cheguei a Nova Iorque na epoca da transicao do breakdance e da musica eletronica popular. Os equipamentos baixavam de preco por causa da crise e os jovens comecaram a ter acesso a edicao. Gosto muito de DJs; nao me dou bem com musica ao vivo, porque eu nao sei se olho ou se escuto.
– Voce ouve musica quando esta criando?
– Tem musica no estudio o tempo todo, de um ecleticismo absurdo. Vai desde canto de esquimo da Terra do Fogo a Kraftwerk. Meus assistentes colocam as musicas tambem, samba, trance, tudo.
– Voce tem estado mais no Brasil. Algum plano de volta?
– Eu sempre venho, mas agora estou com mais visibilidade por causa das exposicoes. Mas realmente tenho vindo mais por causa da minha filha (Mina, de 4 anos), que tem os avos aqui.
– Foi bom ser pai depois de tanto tempo depois do Gaspar?
– Pelo menos eles nao brigam por brinquedo. Agora o Gaspar briga comigo por brinquedo. Sou meio avo. Depois de 15 anos, voce tem vontade de passar por tudo isso de novo. Ela faz gato e sapato de mim. E muito espirituosa e e a minha cara, coitadinha.
– Medo dos 50 anos?
– Falta muito ainda. Tenho 47, so faco 50 daqui a 10 anos (risos).
– Seus filhos tem um vies de artista?
– A Mina tem uma parede inteira para rabiscar tudo. O Gaspar gosta de musica, a gente troca frequentemente o que ouve por ai.
– De que musica voce nao gosta?
– De musica feita para vender. Eu peguei o nascimento do hip hop, em 84, quando o Bronx veio para o East Village. Eu moro do lado do Dennis Simons, da Erika Badul, Vi o Afrika Bambata nascer. Era o fim da revolucao sexual, o comeco da era da AIDS. Era tudo muito forte, minha vizinhanca era uma praga de drogas, vi muita gente morrer. Essa foi minha apresentacao a America. Muitas coisas que eu faco hoje em dia vem desse periodo, porque eu nao sabia o que queria fazer. Vivia basicamente de bico, saia a noite. Era uma cultura por imersao muito intensa. So em 87 que eu fui ter um estudio e ter pretensoes a me tornar artista plastico.
– Existe uma ideia romantica do artista plastico louco, solto, mas voce aparenta ser muito disciplinado.
– Nao sou, muito pelo contrario. Acho que disciplina e conflito pessoal sao coisas muito diferentes, Voce pode ser indisciplinado e feliz. Outro dia eu acordei e quis ver um rinoceronte no zoologico. E fui. O artista tem muito de pegar uma ideia absurda e fazer o que ninguem faria. Para voce ser artista, voce tem que ter coragem de fazer as coisas. Tem muita pouca coisa que nao e interessante para mim. Ate do ponto de vista musical. Mas nao gosto de house comercial, trance. E uma musica muito ruim. Morava em cima do Save The Robots, um famoso after hours de Nova Iorque. As vezes eu acordava as quatro e meia da manha, descia de pijama e bebia uma vodca. O povo me ligava para colocar gente para dentro.
– Seu Facebook tem 5 mil amigos, uma boa rede, hein.
– Estou ficando de saco cheio daquilo, porque nao pode ter mais de 5 mil. Eu quero mais. Para mim o interessante e ter uma grande plataforma de comunicacao. Eu sou artista plastico e faco exposicao numa galeria em Chelsea. Se tiver muita sorte, 1.500 pessoas vao ver minha exposicao. De repente, o Facebook e um placebo para me comunicar com mais gente.
– O que significaram as exposicoes do Rio e de Sao Paulo deste ano?
– Muita coisa. Comecei a notar que meu publico esta transbordando fora da esfera da critica especializada. Meu trabalho esta se tornando mais acessivel para quem esta fora do mundo da arte. Meus amigos estao todos no Rio, a grande maioria dos artistas moram no Rio; acho que estou mostrando para a propria classe que o publico quer ver exposicoes, sim. Nao estamos isolados num mundinho so nosso.
– Como e a sua relacao com a critica?
– Acho que voce tem que ver de quem esta vindo a critica. Eu leio tudo. Depois de 25 anos fazendo isso, perdi a inseguranca, o que e triste. Era delicioso o friozinho na barriga. Hoje em dia parece um emprego, ja tenho um conhecimento do publico.
– O publico esta crescendo. Como nao se transformar num artista marqueteiro como o Damien Hirst ou o Jeff Koons?
– Acho que o Damien Hirst parou de fazer arte ha 10 anos para so fazer marketing, performance. O Koons faz objetos realmente sedutores, escancarou. Uma pintura de bolinhas nao pode valer 10 milhoes de libras.
– A crise afetou o mercado de arte?
– Eu estou me preparando para essa crise desde a ultima. Em 2006, o mercado imobiliario e o financeiro comecaram a aquecer novamente, de uma forma global. Os russos com muito dinheiro, o pessoal do Oriente Medio com muito dinheiro e ate os latino-americanos. Nova Iorque nem se fala. Dai essa turma comecou a comprar imoveis, depois comprou a segunda esposa, depois a segunda Ferrari e, por ultimo, arte contemporanea. O mercado de arte e o ultimo que sobe e o primeiro que desce. Nos somos os canarios que o pessoal leva para a mina de carvao. Se tiver gas, o passarinho morre. O problema e que levaram o canario e quem morreu foi o elefante.
– Mas foi positivo de alguma forma para criar uma cultura de arte nesses novos mercados.
– Esses tres anos inundaram o mercado da arte com uma profusao de feiras e galerias inimaginaveis. Eu nao vou a feira de jeito nenhum. Voce ja viu vaca rondando acougue? So vou raramente, se tiver de fazer uma palestra. Como voce pode ver aquilo? E como se voce fosse a uma degustacao de vinhos e tomasse 1.500 rotulos. Chega uma hora em que tudo fica insipido. As pessoas estavam comprando arte por telefone, sem ver. Eu tento manter meu trabalho fora disso. Nao nasci para ser artista plastico.
– Nasceu para ser o que?
– Professor, educador. Meu trabalho tem uma estrutura muito clara, didatica. Me preocupo em deixar as coisas mais arrumadas para o publico entender o trabalho. Nos vivemos num mundo de imagens. A nossa relacao com essas imagens e intensa, mas e pobre. Estou tentando criar um plano piloto de alfabetizacao visual para criar uma educacao para o seculo 21.
– Para comunidades carentes?
– Nao, para todo mundo. Nos ensinamos nossos filhos a ler para proteger de quem sabe escrever. Tem sempre uma classe dominante que esta produzindo conteudo e midia, e a educacao permite que o publico se adapte a essa producao. A educacao de agora continua a se preocupar em proteger o publico de uma elite industrial formada no final do seculo 19 e no comeco do seculo 20. O garoto vai para a escola aprender matematica, portugues. Nos estamos ensinando nossos filhos a viver num mundo de uma midia que comecou a se formar 5.500 anos atras. Mas mudou. Depois dos anos 90, com o advento do computador, acabou aquela coisa de texto em publicidade. Voce pode falar o que quiser atraves de imagens. As imagens se tornaram mais eloquentes, mais elasticas, mais versateis, voce faz o que quiser com elas. Voce tem uma industria muito poderosa e prolifica em termos de imagens e afastando as pessoas de qualquer discernimento em relacao a elas. Esse buraco entre os que fazem e os que consomem esta ficando cada vez maior. Hoje voce tem o photoshop e ninguem mais sabe qual era a imagem real, existe uma manipulacao do real.
– Sera um instituto?
– Temos que comecar a ensinar a Historia das Imagens, nao Historia da Arte. A arte tem uma conotacao elitista. Quando voce fala em arte, voce pensa em museu, em rococo, molduras douradas, mulheres com peitinhos de fora. Se voce troca a palavra arte por imagem, tudo muda. A imagem e util, e pratica, voce usa a imagem no dia a dia. Como voce nao prende mais desenho na escola? Voce aprende redacao para viver num mundo em que a escrita e forte. Mas nao aprende desenho para um mundo em que a imagem e cada vez mais dominante.
– Voce acha que algumas pessoas da classe lidam mal com o seu sucesso?
– Eu nao ligo para isso. Alguns anos atras, quando eu comecei a ganhar mais dinheiro, passei a querer coisas que nao tinha. Isso e natural, meio novo rico mesmo. Adoro fazer ternos. Nao gosto de massagem, mas gosto de ser medido. Em cada cidade que eu vou, tenho um barbeiro e um alfaiate. Pareco que estou vivendo no seculo 19, uma epoca de que eu gosto muito.
– E tambem de uma certa melancolia, o chamado spleen. Voce tem momentos de spleen?
– Eu tenho aquela coisa do gentleman do seculo 19, tem a ver com a minha sexualidade. Eu adoro a ideia de ser um cavalheiro. Civilizacao e uma coisa muito boa, detesto barraco. Essa coisa de gente que quer falar a verdade, num tom ruim da coisa. O radicalismo e a pior coisa que existe. Branco e preto nao existem, existem tons de cinza. Eu sou um gentleman de camiseta e calca jeans, eu tento ser. Essa coisa da melancolia acho que esta nas minhas viagens, eu gosto de fazer viagens longas sozinho. Recentemente percorri parte da Africa de carro, fui a Mali, ate Timbuktu. Quando eu estou chateado, ninguem me ve. Eu sou muito superficial, so mostro o que me interessa. Nao fico ligando para falar dos meus sentimentos. E a tal historia do gentleman. Ja estou planejando uma outra viagem para o Benin, o Togo e Uganda.
– Como e o seu Rio de Janeiro?
– Eu trabalho em Parada de Lucas, gosto de atravessar os tuneis, da cultura popular, do Flamengo, de Zeca Pagodinho, de Carnaval.
– Voce daria um bom enredo de escola de samba?
– Adoraria.
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