Por Jean Wyllys
Sou contra a liberação da maconha. Sempre fui. E o projeto que protocolei também é. Mas, atualmente, a maconha no Brasil está liberada apesar de formalmente proibida. A facilidade com que se adquire maconha e a escalada do poder do tráfico são provas irrefutáveis de que ela e outras drogas estão liberadas e de que a atual política de drogas – basicamente a criminalização do consumo e a repressão policial – é um fracasso!
Com essa caríssima “guerra às drogas”, o Estado permitiu, na prática, que o crime organizado dominasse áreas inteiras, instalasse e se fortalecesse com toda sorte de armamento e influência política dentro do próprio Estado. Logo, o Estado, por meio dessa política contraproducente, mantém a maconha (e, por extensão, as demais drogas atualmente ilícitas) livre de qualquer regulamentação e controle, ou seja, mantém a maconha liberada. Contraditório, não? Pois é, não parece a muitos. E quando digo que essa “guerra às drogas” é caríssima, não me refiro apenas ao montante de recursos dos contribuintes empregado nela, mas, sobretudo, aos custos em forma de vidas e dignidade humanas: são 50 mil homicídios por ano e um nível de encarceramento que nos coloca na posição de quarta população e quinta economia carcerárias do mundo!
Cada pessoa que é presa ou executada sem direito de defesa pela polícia ou pelo tráfico é substituída por outra sem atrapalhar ou impedir a continuidade do circuito. Em geral, os milhares de mortos são quase sempre pobres, favelados e, na maioria dos casos, jovens e negros. Quase sempre são aqueles que têm a menor responsabilidade e os menores lucros. Os presos são, nos presídios, submetidos a condições desumanas e a situações de violência idênticas ou piores às que sofriam em “liberdade”. Mas o sistema continua funcionando.
Essa parte envolvida no tráfico é confundida, pelo próprio Estado, com a totalidade da comunidade pobre a que pertence. Resultado: todo pobre favelado ou morador de periferias urbanas pobres (em especial aquele que é preto ou pardo) é associado ao tráfico e sua comunidade como uma “zona perigosa”. E mesmo em relação àquele que realmente se associa ao tráfico é preciso levar em conta que ele – sem acesso à educação (e nem me refiro à educação de qualidade, já que essa existe apenas em escolas de bairros nobres!), serviços básicos do Estado, formação profissional nem a equipamentos culturais – vê, na associação ao tráfico, a única forma de mobilidade social. Quem, ali, em meio à busca pela mera sobrevivência e sem qualquer outra expectativa, irá vislumbrar algo diferente do que o traficante lhe tenta convencer?
Vez por outra (quer dizer, sempre, mas em geral só ficamos sabendo quando uma ínfima parte das ocorrências vai parar na mídia) somos abalados por casos decorrentes dessa confusão entre pobreza e criminalidade produzida pela “guerra às drogas”. Onde está Amarildo? Por que Cláudia Silva Ferreira foi “socorrida” em um porta-malas sujo e arrastada por meio quilômetro de asfalto? E aqui precisamos ressaltar a enorme quantidade de policiais militares e civis corruptos produzidos pela “guerra às drogas” e sem os quais essas não circulariam livremente.
Em resumo, o comércio de drogas ilícitas está, sim, liberado no Brasil com essa política de “guerra às drogas” – e isso ninguém pode negar! Os danos dessa política também são incontestáveis. A solução é, portanto, legalizar e regulamentar a produção, o comércio e o consumo de maconha, como fez o Uruguai recentemente e como propõe o meu projeto de lei. Deixar de tratar o usuário recreativo de maconha como criminoso (sim, a ampla maioria dos consumidores de maconha faz uso recreativo dela; poucos são os que abusam ou dependem quimicamente dela – e estes merecem assistência médica), de equipará-lo ao grande traficante, e permitir que ele compre a droga com segurança ou que tenha seu próprio cultivo, não dependendo de ninguém para satisfazer seu consumo são boas alternativas à atual política. Ou não está claro que isso afeta diretamente a relação entre traficantes e consumidores?
Quebrar a estrutura de poder paralelo e de marginalização produzidos pela “guerra às drogas” é o primeiro passo para um combate efetivo e inteligente ao tráfico de drogas e tudo aquilo que ele financia: a violência, a corrupção, o contrabando de armas e a exploração sexual e do trabalho quando associado ao tráfico humano. Quebrar essa estrutura implica também em não atirar nas cadeias tantas pessoas pobres flagradas com uma quantidade qualquer de maconha. Pessoas que não cometeram qualquer crime contra a vida ou a propriedade, mas que lotam presídios e que acabam sendo formados em uma espécie de “escola do crime”, pois, ao sair da prisão, elas estarão ainda mais marginalizadas e estigmatizadas; e a ascensão no mundo do crime se abre como caminho natural para muitas delas.
Aonde quero chegar, afinal?
Segurança pública e combate ao tráfico são duas áreas cercadas por preconceitos e “achismos” que não sobrevivem à mínima informação. Cabe à imprensa, que atua como mediadora da informação, a responsabilidade de, no mínimo, não fomentar novos (e velhos) preconceitos, mesmo que por acidente. Alguns veículos de imprensa, ao darem atenção superficial e sensacionalista à anistia de presos por tráfico de maconha que não tenham praticado homicídios, lesões corporais nem sequestros criam – de forma acidental ou mesmo intencional – a imagem de que a função do meu projeto é a de “defender bandidos” ou de esvaziar cadeias. Essa imagem é falsa!
É hora de deixar o “achismo” de lado; de admitir que o modelo falido de combate ao tráfico, que nunca funcionou em canto algum do mundo, não traz um bom resultado; e de se abrir para uma nova política: a da legalização e regulamentação da maconha!