Texto e fotos Marcelo Krasilcic
Styling Dudu Bertholini
Eu amei Rogéria desde menino. Cresci em uma época em que qualquer coisa gay era tabu, e ela foi minha primeira referência de algo bonito, diferente, exótico e também alegre, orgulhoso e festejado por todo mundo.
Eu queria fotografar Rogéria há muito tempo, e fiquei entusiasmado quando, depois de mais de um ano a perseguindo-a, consegui, finalmente, marcar uma data. Rogéria é uma senhora ocupada, mas tudo valeu a pena quando ela chegou, mais adorável, inteligente, divertida e fabulosa do que eu poderia imaginar.
Nascida no Estado do Rio de Janeiro, era um excelente goleiro de futebol. Porém, Rogéria desistiu de uma possível carreira brilhante no esporte aos 15 anos, quando experimentou um vestido de noiva. Aí percebeu que preferia outro tipo de público e ficaria muito mais feliz em jogar com duas bolas, em vez de uma.
Já compuseram canções sobre Rogéria, que se apresentou no mundo inteiro, conheceu muita gente poderosa e ganhou um prêmio Mambembe por seu trabalho em teatro.
Surpreendente, de língua afiada, corajosa, inspiradora, o ícone máximo de todos os gays e transexuais brasileiros. Rogéria já recebeu muitos elogios. Seu talento cativou a mente e o coração de todos os brasileiros nos últimos 50 anos. Ela nasceu há 70 anos; seu verdadeiro nome é Astolfo Barroso Pinto. Sobrenome quase irônico; Rogéria afirma com orgulho que manteve o seu intacto. Ela conta que seu irmão machão, que também é seu melhor amigo, ainda a chama pelo apelido de infância, “Tolfo”, para que ela não esqueça de onde veio. No fundo, não se sente uma mulher, pois, como diz, “não tenho alma de mulher”. Por outro lado, diz ter “a mente de uma mulher”.
Começou no show business fazendo cabelo e maquiagem para algumas das mais famosas atrizes da época. Incentivada por elas, começou a se apresentar e tornou-se uma sensação.
Desde então, emprestou seu talento a centenas de peças de teatro e musicais, filmes, novelas e desfiles de escola de samba. Foi jurada em alguns programas de TV muito populares e foi entrevistada pelas pessoas mais proeminentes no Brasil. No trajeto, passou quase dez anos viajando pelo mundo e se apresentou em Portugal e na Espanha, em Paris, Teerã e Nova York, entre muitos outros lugares.
Durante a ditadura militar, diz ela, manteve a boca fechada quando necessário, mas teve de lutar por seu direito de ser artista – e venceu a batalha. Ela atribui sua determinação ao amor e apoio constantes de sua família. Quando tinha 12 anos, por exemplo, sua tia a viu usando uma saia amarela e contou a sua mãe. Em vez de censurá-la, a mãe perguntou: “Por que você deixou que sua tia a visse?”. E a mandou ao cinema, onde Rogéria assistiu diversas vezes a Como Agarrar um Milionário, estrelado por Marilyn Monroe.
Nos anos 1960, Rogéria teve um namorado milionário, que chorou muito quando foi dispensado. Ela não estava interessada em seu dinheiro, pois havia conhecido o amor de sua vida, um homem de pele morena que ela chamava de Preto. Eles se conheceram no carnaval no Rio e ela desmaiou quando se beijaram pela primeira vez. Apaixonou-se perdidamente, o que para Rogéria significa ter orgasmos, dor no coração e lágrimas escorrendo pelo rosto, tudo ao mesmo tempo. Ficaram juntos por cinco anos e moraram com a família de Rogéria, porque sua mãe não a deixaria mudar-se. São amigos até hoje. Quando Preto lhe pediu para escolher entre o mundo artístico e seu relacionamento, ela não teve dúvida. Nascera artista, e nem o amor de sua vida poderia mantê-la longe dos palcos.
Duas grandes paixões, muitos namorados apaixonados – alguns famosos e secretos, outros apenas homens comuns – e várias décadas depois, Rogéria prefere viver sozinha, para evitar o ciúme dos amantes. O terreno comum entre todos eles? O dos membros grandes. Rogéria me conta que um de seus amantes tem um pênis de 25 centímetros. Ele tem 32 anos e os dois se encontram desde que ele tinha 19. Outro de seus namorados, de 28 anos e expressão doce, teve um orgasmo só de olhar para ela.
Como sua sexualidade mudou com o passar do tempo? Hoje, diz ela, “eu não preciso ter orgasmo todo dia; algumas vezes por semana bastam”. E a penetração não faz mais parte de seu repertório. Mas não tente beijá-la e ser romântico na cama. Ela já recebe muito amor de seus fãs, que a adoram. Na cama, gosta de ver um olhar de desdém no rosto do amante. É a chave para seu orgasmo.
Rogéria não fez cirurgias plásticas, apesar de um acidente de carro em 1981 que lhe deixou uma cicatriz no rosto. Mas isso nunca a deteve. Um mês depois do acidente, estava novamente no palco. Quando lhe pergunto se fez implante de seios, ela se ofende e me faz tocá-los, enquanto, para meu deleite, os pressiona contra meu rosto.
Rogéria sempre quis ser definida e respeitada por seu talento. E isso conseguiu de sobra. Mas seu carisma e seu joie de vivre também permearam tudo o que ela fez. Sempre que sai à rua, bandos de fãs a procuram, desde senhoras que elogiam seu cabelo (e declaram sua adoração) até homens casados que perguntam qual é seu perfume, para que possam comprar do mesmo para suas mulheres. A maioria quer tirar uma foto ao lado de Rogéria. E ela sempre concorda, feliz, com seu sorriso exuberante.
Rogéria recebe todo mundo bem, e todos nós a amamos. Eu lhe peço para se definir, ao que ela simplesmente responde: “Sou a travesti da família brasileira”.
Não tenho palavras para descrever o que senti naquele dia. Rogéria posou, dançou, cantou, contou histórias, divertiu e se apresentou para a equipe. Eu gostaria que o mundo inteiro pudesse estar ali conosco, pois teria se tornado um mundo melhor. Mas compartilho estas imagens com vocês e espero que, de alguma forma, elas façam justiça ao talento de uma das musas mais inspiradoras que já conheci.