por Eduardo do Valle
Para todos os efeitos: a MTV Brasil não vai encerrar suas atividades. Há quase 23 anos na TV brasileira, o canal se vê abatido por uma crise sem precedentes, que gerou a demissão de mais de 70 funcionários. No entanto, “a hora é de organizar a casa e reestruturar seu processo criativo”, defende Zico Góes, diretor de programação do canal. Sem ignorar a gravidade do momento, o clima é de otimismo: “reinventar-se é a essência da MTV”.
“Otimismo”, aliás, é o que a crise não levou de Zico. Mantendo o bom humor, o diretor contou a RG o que mais gosta no canal, os enganos que se cometem, detalhes sobre a fase difícil e seus programas favoritos de toda a história da rede – mesmo que sob protesto: “é como pedir a um pai para escolher entre seus filhos”, suplicou, rindo. Pra cima de nós, não, Zico! Queremos saber tudo.
RG: Trabalhar na MTV ainda é tão legal quanto parece?
Zico Góes: Sim. É claro que estamos combalidos com as demissões e os cortes, mas continua um bom lugar para se trabalhar. Essa crise serve pra nos fortalecer, nos reinventar, como em outras vezes. É duro, mas é um exercício que é a cara da MTV. No fundo, a gente vibra com a reinvenção.
RG: Exatamente, a MTV já passou por reinvenções. Por que esta e diferente?
ZG: O momento é diferente. As outras não vieram em momento de crise. Agora, estamos com dificuldades com nossos anunciantes e até com nosso público – talvez a internet esteja ocupando um espaço que não prevíamos. Mas estamos animados, buscando incrementar nosso processo criativo.
RG: Aquele papo de MTV voltar a exibir clipes…?
ZG: Isso é uma roubada. Até os anos 90 dava, porque a TV era o único modo de ver clipes. Hoje, todo mundo busca na internet (ainda que a música ocupe a maior parte de nossa programação).
RG: Por onde você assiste clipes?
ZG: Pela TV [risos]. Eu assisto poucos clipes, tenho 49 anos.
RG: E assistir clipes é uma coisa de fases?
ZG: Chega uma hora que passa.
RG: A MTV já teve música, comédia, seriados internacionais… como você define a programação hoje?
ZG: Tem um pouco de tudo. Clipes continuam sendo a maioria. Os seriados americanos estão cada vez mais americanos, menos brasileiros – então, é difícil encaixar. E a abordagem divertida continua, isso nunca deixou de existir. No fim das contas, é um canal jovem, musical e divertido. Sempre foi assim, isso não mudou.
RG: E, de toda a programação, qual seu programa favorito?
ZG: Não tem como dizer. É como um pai escolher entre seus filhos. [risos]
RG: Então, para você, vamos abrir uma exceção: você pode escolher cinco programas.
ZG: Difícil, hein?! Tem o Top Top, que resume isso tudo que falei sobre o canal: falava de música contando história, tinha o elemento da comédia e contava com uma apresentação diferenciada, que é a cara da MTV; o 15 Minutos, que era incrível, tinha o [humorista Marcelo] Adnet, que na época era desconhecido, então tinha liberdade para falar o que quisesse, como quisesse e funcionou perfeitamente; teve o RockGol, do qual pude participar da elaboração, que inovou no jeito de falar de futebol, com humor e botando os times pra jogar; o Fica Comigo, que foi a matriz de vários programas desse gênero de namoro, então também inovou – e também teve o primeiro beijo gay [masculino] da televisão brasileira; e teve o Furo MTV, com o Bento Ribeiro e a Dani Calabresa, que começou em uma fase em que eu não estava na MTV, mas que, quando eu vi, achei que o tom certo do canal.
RG: Trabalhar na MTV já foi o sonho de muita gente. Como é na vida real?
ZG: É preciso esclarecer que às vezes passa a impressão errada: tem mais a ver com liberdade do que com glamour de lidar com pessoas célebres: isso, por sinal, é péssimo! O legal de trabalhar na MTV é botar a mão na massa e dar ideias, algo que se estende do diretor aos estagiários: muitas das melhores ideias do canal partiram de estagiários.
RG: Independente do que aconteça com a MTV, qual o legado que a rede deixa para a TV brasileira?
ZG: A MTV inaugurou um jeito diferente, segmentado, de fazer televisão e ensinou que não precisa se levar a sério o tempo todo: ali, nós somos os grandes críticos de nós mesmos. E isso é um legado do canal – um legado feito por todo mundo ali dentro. Deixei isso muito claro a cada pessoa que tive de dispensar recentemente.
RG: A MTV continua?
ZG: A MTV continua!