Ícone de uma geração, o ator manteve uma profícua relação com o cantor Milton Nascimento. Às vésperas dos 20 anos do seminal filme My Own Private Idaho, Milton remonta a amizade com o ídolo que o mundo perdeu.
Por Milton Nascimento
“Meu primeiro contato com River Phoenix foi por volta de 1988. Eu estava em Nova York, tinha acabado de terminar uma turnê de quatro meses, com shows por mais de 40 cidades, na Ásia, Europa e América. Antes de voltar ao Brasil, passei uns dias num hotel próximo ao Central Park. Numa tarde qualquer, estava lá vendo TV no hotel quando começou um filme: The Mosquito Coast. O nome de River Phoenix nos créditos logo chamou minha atenção, mas até então eu nunca tinha ouvido falar dele. Quando acabou o filme, fiquei prestando atenção nos créditos e, para minha surpresa, o ator que eu mais tinha gostado era justamente River Phoenix. Neste mesmo dia, também passou outro filme dele na TV: Stand By Me. Fiquei tão impressionado que decidi escrever uma carta para ele. Foi quando surgiu uma música pronta na minha cabeça. Coloquei o nome: “River Phoenix (Carta a um jovem ator)”.
Algum tempo depois, na gravação do disco Miltons, fiquei com vontade de gravar a música. Mas precisava de uma autorização. Liguei para o Quincy Jones, que me passou o contato da mãe do ator. Liguei:
— Como assim? Colocar o nome do menino na música de alguém que eu nem conheço.
Até que a filha dela, mais nova que River, perguntou:
— Quem quer colocar o nome do River numa música?
— O nome dele é Nascimento, disse que é do Brasil – respondeu a mãe. Mas eu já disse que não.
A garota, que se chama Rain, interveio. Contou que ela e o irmão gostavam muito “daquele cantor brasileiro”, e pediu a mãe que mudasse de ideia. Resultado: gravei a música com o nome dele. Olha só como são as coisas… Certa vez, River me disse que estava no mesmo hotel onde eu assistira The Mosquito Coast. Lá, ouviu uma música minha no rádio. Gostou tanto que, mal acabou a música, já estava numa loja de discos procurando coisas minhas.
Quase um ano depois, em 1989, eu estava muito envolvido com a ONG Aliança dos Povos da Floresta, e fui fazer uma viagem de pesquisa pela Amazônia. Este trabalho deu origem ao disco TXAI. Como eu já estava mais próximo de River, o chamei para participar do disco. Ele gravou um discurso em defesa do meio ambiente na faixa “Curi curi” (Tsaqu Waiãpi). Sua família era completamente envolvida com as questões ambientais; tanto que, quando eu o convidei para participar comigo da ECO 92, no Rio, ele trouxe a família inteira. Na época, ele tinha acabado de participar do filme Indiana Jones e a Última Cruzada, que estava lotando cinemas do mundo.
Depois do encontro no Rio, levei River para minha cidade, Três Pontas, no sul de Minas Gerais. Lá, ele se misturou a todos, e passava o dia cercado por um monte de gente. Ninguém acreditava quando via um astro como ele andando despreocupado pelas ruas de uma cidadezinha mineira.
Nós ainda nos encontramos várias vezes nos Estados Unidos. Ficamos muito amigos, mesmo. Prefiro pensar nele com boas lembranças. River é uma pessoa que faz muita falta nesse mundo de hoje em dia. Era um cara que tava ali sempre, para tudo que você precisasse.