Top

“Quanto mais autêntico, mais universal você é”, reflete Adriana Varejão, que completa 30 anos de carreira com retrospectiva

Por André Aloi, enviado especial a Fortaleza*

Adriana Varejão comemora 30 anos de carreira neste 2015 com uma série de celebrações. Está em cartaz com a retrospectiva “Pele do Tempo”, em Fortaleza, e se prepara para abrir sua segunda mostra individual nos Estados Unidos (como RG adiantou, sobre índios americanos, inspirada na série Polvo), mais precisamente em Dallas. E seu ateliê está repleto de peças das próximas paradas: Hong Kong, apresentando ambientes híbridos entre China e Brasil, além de outra em Roma, na Itália, com “azulejões grandões”, em 2016.

Leia mais: Adriana Varejão: musa da Raw Luxury

Sua arte é vista e sentida no mundo todo. Mas há uma fórmula para intrigar em todas as culturas? “Quanto mais autêntico (ou mais profundo em si mesmo), mais universal você é”, filosofa. Como suas obras falam tanto sobre o barroco, cujo apelo é forte para países latinos, como outros povos (os protestantes, por exemplo) interpretam? “A leitura de um país de economia visual – como os Estados Unidos, acostumado com arte abstrata, geometria, minimalismo – é mais difícil porque não sabe ou entende pouco da história que existiu entre Brasil e Portugal. A gente que tem acesso a essa história, tem uma outra visão da obra, maior do que uma leitura superficial”.

Mas aspectos do passado, como questões culturais, é que fazem a mente de Adriana ferver. Ela conta que não é do tipo que se influencia por fatos do dia a dia. “Meu marido é um obcecado por momento político e jornal. Eu passo pouco, de raspão. O que sempre me atingiu é a questão social, sou uma humanista. Tudo que é sobre meu povo, questões antropológicas e sociológicas, me interessa”.

Adriana é do tipo mãezona com suas peças. Acompanha as movimentações e rotas, mas seu apego é natural. “Me surpreendo quando olho trabalhos que não via há 20 anos. É emocionante isso. Eu não as vejo por aí, estão nas casas das pessoas, pertencem a coleções. É como olhar para um filho que não volta para casa, só que ele quase não mudou”, comenta, acrescentando: “às vezes, oxidou um pouco, Você vê em livros e fica com aquela imagem congelada. Em determinado momento, aquela imagem se torna a cor real: mas o azul, quando você vê a obra ao vivo, tem outra dimensão”.

E com o passar dos anos, a artista plástica e pintora diz que sua arte muda o tempo todo. “Às vezes, estou num lugar (focada para uma série), aí volto para o passado. Estou voltando para uma que fiz no início da década de 90, pra mim o tempo não existe. O tempo está parado, é a gente que se movimenta por ele, que vai lá atrás, volta, corre, e não ele”, reflete. E ela mesma brinca que não tem noção do tempo. Quando tentou lembrar de sua primeira exposição, citou os idos de 2000 e não a década de 80 como ponto inicial de sua arte. “Pra você ver minha relação com o tempo: não existe”, brinca.

Suas obras são vendidas por milhões. Disputa o posto de artista mais bem paga do País com Beatriz Milhazes. Mas, segundo a autora, não é todo mundo que paga ao artista a porcentagem sobre a revenda da arte: “adoraria receber. Tá na lei: artista tem que receber em cima do lucro da revenda (5%). Outro dia recebi de uma colecionadora honesta, que vendeu a obra e ela me ligou”, comemora, mas revela que não é praxe.

Com três décadas no currículo, Adriana se sente lisonjeada em ter uma exposição, que consiga reunir tantas de suas obras. De uma conversa com a curadora Luisa Duarte, nasceu a exposição que faz um recorte didático, que até no dia da abertura teve dedo dela, dando os últimos retoques em uma das peças, que estava fora de prumo. “O ideal seria mostrar as 500 obras (já produzidas)”, ri, quando perguntada sobre a falta da série Polvo nesse recorte. Mas ela explica que esse conjunto foi apresentado há pouco no Brasil e está fresco na memória dos espectadores.

Essa expo é sua terceira individual, institucional. Mas a primeira com caráter retrospectivo. Nesta, a artista conseguiu explorar suas influencias. “Meu sonho era fazer uma exposição com influências paralelas, tentei antes, mas nunca havia conseguido mostrar esse lado do cinema”, afirma a cinéfila faminta. “Muito da minha formação se deu no cinema, com (David) Cronenberg, (Peter) Greenaway, Derek Jarman, era muito influenciada por esses diretores”. Outra instalação que imerge o visitante é uma sala em que a artista expõe suas referências barrocas, através de imagens e falas com projeções nas paredes. Faz com que o espectador se sinta dentro de uma de suas obras. Em outra ala, brinca com a geometria, com excessão dos pratos.

Sem medo de dizer que sente falta de trabalhar com algumas peças, afirma que, no momento, tem saudades das saunas: “vou voltar para ela algum dia”, pontua. Para essa série, viu muita coisa cinematográfica, inclusive o filme “Banhos” (1999, do diretor Zhang Yang). “Há muita luz que veio daquele filme. Mas, fora isso, construo a sauna em programas virtuais de arquitetura. Tem uma câmera que percorre, é meio de cinema mesmo. Começo a botar luz pra criar um clima, congelo. E aí que vou pintar”, revela. Depois, só acrescenta os detalhes, como uma pilastra em determinado ponto, um rasgo no chão.

COMO CHAMA?
Adriana diz que suas peças de arte têm elemento teatral, com uns nomes meio esquisitos, místicos. “Eu queria sempre adjetivos que fossem alguma coisa boa, mas podia ser alguma coisa ruim, como virtuoso, colecionador, vaier, adiva etc. Eles sempre têm nome ambíguo…. Obssessivo, adoro! Às vezes, se eu acho um nome muito bom, guardo ele. Mas geralmente vêm depois. Com excessão das saunas, gosto de nomes bem descritivos”.

PAREDES QUE CONTAM HISTÓRIAS
Quem circula pelo Espaço Cultural Airton Queiroz, esbarra facilmente em pinturas raras. Fazem parte de um acervo de dar inveja a muitos museus. Tem de Alfredo Volpi a Di Cavalcanti, passando por Cândido Portinari, Mira Schendel, Aldemir Martins, Vik Muniz. Uma pintura carregada, ao lado de Jorge Guinle chama a atenção pela similaridade. Representa o começo da carreira de Adriana Varejão: “aquela já falava de uma certa saturação… uma pessoa que já tem tendência a exageros, saturar, botar muita tinta. A tinta não é líquida, e está do lado de Jorge Guinle, que é meio expressionista. Ali tem a textura, a vontade do barroco, certa exuberância, volúpia, riqueza. Tem traços que me reconheço facilmente naquela obra”.

*O repórter viajou a convite do Espaço Cultural Airton Queiroz, da Fundação Edson Queiroz, mantenedora da Unifor, para a abertura da exposição “Pele do Tempo”, no fim de agosto.

Mais de Cultura